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DIREITOS HUMANOS NA HISTRIA
Margarida
Genevois
Os Direitos Humanos so fundamentais ao
Homem pelo fato de ele ser homem. No resultam de uma concesso da
sociedade poltica, mas constituem prerrogativas inerentes condio
humana.
Os Direitos Humanos no so estticos mas acompanham o processo histrico;
processo no linear, pois tambm conhece retrocessos.
Foi apenas no sculo XX, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial,
que eles se definiram explicitamente e adquiriram o reconhecimento
mundial. A noo de Direitos Humanos, todavia muito antiga,
perde-se no tempo.
O cdigo de Hammurabi (1700 a.C. aproximadamente) menciona leis de
proteo aos mais fracos e de freio para a autoridade. A civilizao
egpcia, especialmente na era dos faras (dinastia XVIII), j
concebia o poder como servio.
H divergncias quanto ao surgimento dos direitos humanos na
histria, mas muitos autores situam-no na Grcia, quando eles foram
aludidos em um texto de Sfocles no qual Antgona, em resposta ao rei
que a interpela em nome de quem havia sepultado contra suas ordens, o
irmo que fora executado: Agi em nome de uma lei que muito mais
antiga do que o rei, uma lei que se perde na origem dos tempos, que
ningum sabe quando foi promulgada.
Os profetas judeus vinculam o exerccio do poder a deveres fundados em
princpios religiosos que inspiram uma tica baseada na
responsabilidade de todos os homens pelos seus atos. Buda, Confcio e
Zoroastro pregam a supremacia do direito e da justia, o ensino da
fraternidade e da generosidade. Visam a plena realizao da natureza
humana e a formao de uma sociedade pacfica e justa.
Na Grcia do sculo V a.C., os cidados j controlam as aes do
Estado (polis); O limite do poder dado pelo direito que exercem os
cidados ao participar dos assuntos pblicos. Entre os sculos VII
a.C. e XVIII da nossa era, a humanidade faz progressos no controle dos
governantes, que exercem e distribuem a justia. Os gregos desenvolvem
o conceito da liberdade, como expresso mxima da dignidade humana,
baseada na idia da igualdade. Os esticos defendem a existncia de
princpios morais, universais, eternos e imutveis que resultam
direitos inerentes ao homem.
O cristianismo, considerando o homem, imagem e semelhana de Deus,
prega a igualdade entre todos os homens. Esta igualdade no se limita
ao usufruto individual dos direitos mas supe o dever do amor ao prximo.
O cristianismo a a ter uma influncia decisiva, ora benfica, ora
malfica, e a Igreja a a associar-se ao poder temporal.
O Islo na vida poltica tem uma concepo similar da relao
entre os homens: a de sua igualdade primordial baseada em sua
identidade essencial, em sua origem nica, e em seu destino comum (Sorondo)
DIREITOS HUMANOS NA IDADE
MDIA
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Na Idade Mdia, a partir das famlias daqueles
que lutaram contra as invases dos brbaros (e com isso tornavam-se
proprietrios de terras), nasce uma aristocracia, scia natural do
poder real, que buscava fundamento no direito natural para os seus
privilgios. Este perodo tem uma importncia significativa, um
momento de reviso de valores, de confronto de objetivos temporais,
imediatos e permanentes, muitos deles j indicados como objetivos
espirituais no fim da Idade Mdia quando surge uma nova realidade histrica: a burguesia.
No final da Idade Mdia, So Thoms de Aquino discute diretamente a
questo dos Direitos Humanos, retomando Aristteles e dando, sua
filosofia, a viso crist. A fundamentao de So Thoms teolgica:
o ser humano tem direitos
naturais que fazem parte de sua natureza, pois lhe foram dados por Deus.
A partir disso desenvolve toda uma linha terica e poltica.
Ocorrer,
no entanto, uma clara ambigidade, na utilizao deste conceito,
chegando a firmar-se e aceitar-se na prtica que o direito dos reis era
um direito natural de origem divina que justificava o absolutismo. Um
caminho aberto para toda espcie de violncias, e em ltima anlise,
at para a negao dos direitos humanos. O poder armado, o poder econmico
e os proprietrios de terras no respeitavam aqueles que no
desfrutavam destes privilgios. No existia o mnimo respeito pela
pessoa humana. Um grande nmero de seres humanos viviam margem, e
eram explorados de todas as maneiras.
Foram os o burgueses, associados aos pensadores liberais, quem
levantaram modernamente, a liberdade como um valor. Cessadas as invases
dos brbaros e consequentemente, afastados os grandes riscos, a proteo
dos senhores feudais se tornou dispensvel e as pessoas comeam a
voltar para as cidades. Os
burgos comeam a se desenvolverem. A burguesia, paulatinamente
enriquece-se e fortifica-se mas ainda mantida marginalizada do poder
poltico o que reivindica para defender os seus poderes pessoais e o
seu patrimnio.
A poca do Iluminismo e dos Enciclopedistas revoluciona as idias
tradicionais da Idade Mdia, afirmando-a dignidade humana e a f na
razo. Vige a idia de que o homem concebido com o detentor de
direitos sagrados e inalienveis. E o governo no pode prescindir da
vontade dos cidados. Rousseau desenvolveu a teoria da igualdade
natural entre os homens. Voltaire insistiu na tolerncia religiosa e na
liberdade de expresso pois a religio j no podia explicar tudo.
Na Inglaterra, um Parlamento j existia desde o sculo
XIV mas era formado somente por nobres e prelados, todos proprietrios.
A burguesia impe a criao da Cmara dos Comuns que perdura at
hoje. O crescimento poltico da burguesia, desta forma, favorece o
crescimento dos Direitos Humanos. Em 1215, na Inglaterra, os bispos e
bares impe ao Rei Joo-Sem-Terra a Carta Magna que limita o poder
do soberano. A petio de direitos de 1628 imposta pelo Parlamento
ao monarca. O Habeas Corpus de 1669 que consagrou o amparo liberdade
pessoal, determinava que a pessoa acusada fosse apresentada para
julgamento pblico. At ento, os nobres e aristocratas prendiam e
faziam a sua prpria justia.
Foi sobretudo o Bill of Rights de 1689 o mais
importante documento constitucional da Inglaterra, que fortaleceu e
definiu as atribuies legislativas do parlamento frente Coroa e
proclamou a liberdade da eleio dos membros do Parlamento,
consagrando algumas garantias individuais.
Ainda neste sculo XVIII, d-se a criao dos
Estados Unidos da Amrica, atravs de uma revoluo eminentemente
burguesa. A Inglaterra impunha sucessivas e crescentes restries
vida econmica das colnias, atravs da imposio de taxas sobre o
comrcio exterior. Isto fomentou
nos colonos um forte esprito de desobedincia e insubordinao.
Embora parte do Imprio Britnico, as colnias
da Amrica foram, desde cedo conquistando o direito de se
auto-governar, e assumindo o dever de se tornarem auto-suficientes.
Alastra-se o anseio de libertao pelas treze
colnias, que unidas, proclamam a Declarao de Independncia dos
Estados Unidos, tambm conhecida como Declarao de Filadlfia.
Nela, so expostas as razes fundamentais que
levaram independncia:
Todos os homens foram criados iguais. Os
direitos fundamentais foram conferidos pelo Criador entre eles esto o
da vida, liberdade e o da procura da prpria felicidade.
Sempre que qualquer forma de governo tenta destruir esses
direitos, assiste ao povo o direito de mud-lo ou aboli-lo e de
instituir um novo governo. Este documento serviu de referencial para
todos os movimentos de independncia dos povos colonizados. Mas a
Constituio norte-americana uma Constituio feita por
comerciantes para comerciantes.
Ainda no Sculo XVIII, a Revoluo sa criou um
direito que torna-se base fundamental do direito constitucional moderno:
A DECLARAO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADO. Em seu primeiro
artigo, j afirma um direito social fundamental: O FIM DA SOCIEDADE
A FELICIDADE COMUM. A essncia da Declarao, apoia-se na idia de
que, ao lado dos direitos do Homem e do Cidado, existe apontada a
obrigao de o Estado respeitar e de garantir os direitos humanos
At
ento, os Direitos Humanos eram concebidos como direitos naturais,
impostos por Deus e vinham sendo utilizados contra burgueses,
em favor dos reis, e aristocratas, para justificar violncias
que praticavam. Os burgueses no rejeitam esses direitos mas
os reclamam tambm para si. Surgem pensadores considerados liberais
como: Espinoza, Locke, Rousseau, Montesquieu, que pregam a existncia
dos direitos fundamentais como a liberdade e igualdade. Todavia,
o conceito de igualdade nessa poca no o mesmo que o de hoje,
pois a Constituio norte americana itia a escravido. Portanto,
uma liberdade igualdade poltica e no sculo XVIII, a fundamentao
teolgica substituida por um fundamento racionalista que ter
um peso expressivo. Hugo Grocis dizia, que ainda que Deus no
existisse, o homem teria direitos naturais. O fundamento, portanto,
no est em Deus mas na razo. Isto o racionalismo.
DECLARAO
UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
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Desde a Carta Magna de 1215 at a Carta das Naes
Unidas, mais de 700 anos se aram. Muitos documentos legislativos,
declaraes e resolues versaram sobre Direitos Humanos. Nenhum
deles foi to longe e to amplo quanto a Declarao Universal dos
Direitos Humanos de 1948.
O mundo inteiro,
chocado com o genocdio e as barbaridades cometidas durante a Segunda
Guerra Mundial, sentiu a necessidade de algo que impedisse a repetio
destes fatos. Organizados e incentivados pela ONU, 148 naes se
reuniram e redigiram a Declarao Universal dos Direitos Humanos. Ela
representou um enorme progresso na defesa dos Direitos Humanos, Direitos
dos Povos e das Naes.
A Declarao foi subscrita por todos os pases membros
da ONU, com absteno dos pases alinhados Unio Sovitica (8
abstenes dentre os 58 pases membros).
A Conferncia de Teer de 1968 completou e reafirmou a
indivisibilidade e interdependncia dos Direitos Humanos e o Pacto
Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais fortificaram
os artigos da Declarao.
Seguiram-se vrias outras convenes. Entre elas,
destacam-se as seguintes: Conveno Internacional sobre a Eliminao
de Todas as Formas de Discriminao Racial, Conveno contra
Discriminao da a Mulher, Conveno contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes e Conveno
sobre os Direitos da Criana.
Estes Pactos, Tratados e Convenes nem sempre foram
aprovados facilmente mas foram o resultado de rduos, longos e
profundos debates. Com a aceitao da universalidade, da
transnacionalidade dos Direitos Humanos, reconhece-se que o ser humano
sempre possuir direitos fundamentais, independentemente da sua
nacionalidade, raa, situao de refugiado ou de aptrida.
Os princpios da Declarao Universal dos Direitos
Humanos estos inseridos em todas as Constituies do mundo moderno e
constituem parmetros para a democracia.
A DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS,
aprovada em 10 de dezembro de
1948 pela Assemblia Geral das Naes Unidas, foi o mais importante e
completo documento concebido em favor da humanidade at esta data.
Atravs dos tempos, por ocasio de conclaves internacionais,
continuaram sendo elaborados documentos objetivando a melhoria nas relaes
entre os homens e os povos.
Em seus 30 artigos, essa Declarao de carter
internacional contm uma smula dos direitos e deveres fundamentais do
homem, sob os aspectos individual, social, cultural e poltico. Mas de
1948 at hoje, diversos outros documentos tm sido formados no sentido
de ampliar a noo e a vigncia dos direitos humanos.
GERAES DE DIREITOS HUMANOS
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Na evoluo histrica dos direitos, consideram-se trs
geraes de Direitos Humanos.
A primeira gerao corresponde aos direitos civis e polticos:
as liberdades individuais, o direito vida, segurana, igualdade de
tratamento perante lei, e o direito de propriedade, de ir e vir.
A segunda gerao compreende os direitos econmicos e
sociais como direito sade, educao, moradia, trabalho, lazer e
os direitos trabalhistas.
Constituiram-se pactos que completaram e ampliaram a
declarao de 1948. Eles concretizam os direitos humanos,
estabelecendo medidas obrigatrias para os Estados. Entre eles esto o
Pacto Internacional dos Direitos Econmicos e Sociais e o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Polticos.
A terceira gerao a dos chamados direitos dos povos,
que correspondem aos direitos bsicos dos povos, tais como o direito ao
desenvolvimento, paz, e participao no patrimnio comum da
humanidade. Est representada especificamente na declarao de Argel,
em 1977.
As trs geraes de direitos no so categorias que se
excluem mas se completam.
Em 1993, o Congresso de Viena ressaltou que os direitos so
universais, inalienveis, inviolveis, iguais e indivisveis.
Os pases que ratificaram a Declarao de 1948
reconheceram ser essencial a conscincia moral da humanidade;
cinquenta anos depois, mais do que nunca, os direitos humanos
representam o horizonte dos povos. nica forma da humanidade poder
alcanar relaes justas e pacficas.
As convenes definem o contedo de alguns direitos ou
grupo de direitos estabelecendo sistemas para proteg-los e controles
para assegurar-lhes o cumprimento,
entre elas a Conveno para a Preveno e Sanes de Delito
de Genocdio, Tortura e outros Tratos Cruis, Sub-Humanos e
Degradantes.
Na Amrica Latina, a Organizao dos Estados Americanos
(OEA) em 1969, aprovou a conveno Americana sobre Direitos Humanos,
pelo Pacto de San Jos da Costa Rica, vigente desde 1978 e a Corte
Internacional de Direitos Humanos, uma instncia judicial autnoma
cuja finalidade estudar os desnveis e a violao de direitos
humanos na Amrica Latina.
As organizaes no-governamentais tm uma funo
essencial de defesa e promoo dos direitos humanos, pois tal tarefa no
pode limitar-se aos Estados. No Congresso de Viena, em 1993, as ONGs
foram reconhecidas como interlocutoras e suas opinies levadas em
considerao.
DIREITOS HUMANOS NA AMRICA LATINA E NO BRASIL
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No Brasil de hoje, fala-se muito em Direitos Humanos;
tornou-se politicamente correto mencion-los. No entanto, h pouco
mais de 15 anos, abordar os Direitos Humanos em nosso pas era
considerado subverso, os seus divulgadores eram mal vistos e at
execrados como defensores de bandidos.
Mesmo depois do fim da ditadura militar e do
restabelecimento da democracia, certos setores da sociedade ainda
encaram com desconfiana aqueles que defendem os Direitos Humanos.
Alguns policiais ainda afirmam: Fazemos um esforo
enorme para prender um criminoso e quando o fazemos, os Direitos
Humanos atrapalham tudo pois no permitem torturar e bater.
A deturpao do significado dos Direitos Humanos era
proposital por parte de grupos de extrema direita, aos quais interessava
a consolidao do status quo e do autoritarismo. Estas faces
exploravam o medo da violncia crescente e sobretudo a tomada de conscincia
das classes populares esmagadas ao longo de 21 anos de ditadura.
A acirrada incompreenso e a campanha contra os Direitos
Humanos provm do desconhecimento daquilo que eles representam ou at
mesmo de posies egostas dos interessados em manter situaes de
privilgios. No entanto, eles interessam a todos e a cada um em
particular. Sem respeito aos Direitos Humanos, no pode haver sociedade
justa, tampouco democracia slida.
Direito, no Brasil, sempre foi um conceito vago, que
significou privilgios para alguns. Em seus 500 anos de histria, foi
o autoritarismo e no o Direito, que permeou as relaes na sociedade
e entre ela e o Estado.
A finalidade da colonizao foi o enriquecimento europeu
com a explorao predatria de recursos naturais, como o pau-brasil e
o ouro e de seus recursos humanos a mo-de-obra indgena e a
negra. A escravido, durante trs sculos, forneceu mo-de-obra
barata e fortaleceu o autoritarismo. Para a maioria da classe dominante,
o escravo era um objeto sem necessidades nem quaisquer direitos.
O dono do escravo podia conceder-lhe regalias por mera
generosidade, e no como direito ou respeito dignidade de sua
pessoa. O escravo no era nem cidado de segunda classe como eram
consideradas mulheres, por exemplo, mas meros instrumentos, cujo destino
era o trabalho a servio dos mais poderosos.
As populaes do campo, isoladas em imensas extenses de
terra e que tambm dependiam diretamente dos donos do poder, no
cogitavam em exigir direitos mas ansiavam por ddivas e favores. A
elite, nica considerada capaz de dirigir a nao e de estabelecer a
ordem, forjava leis que
defendiam, antes de mais nada, os seus prprios interesses.
O trabalho, sutilmente, era considerado desprezvel,
sobretudo o trabalho manual. O preconceito vinha disfarado e diludo
em sentimentos de generosidade, calcados numa idia de superioridade. O
Brasil foi o ltimo pas do mundo a abolir a escravido; e ela deixou
marcas profundas na cultura do pas. Nesta sociedade hierarquizada,
dissimulada por uma ideologia de conciliao, Direito era sinnimo
de privilgios que no alcanavam a maioria.
Com a Repblica, a situao mudou apenas na teoria. No
incio do sculo, as greves eram tidas como um acinte e as questes
sociais, uma questo de polcia.
Ocorreram progressos mas ainda perdura no povo, a idia de
que tudo se deve esperar do governo particularmente favores e na relao
Estado/sociedade, ainda permeiam os critrios do paternalismo e
clientelismo.
Quando no Brasil dos anos 60 a populao comeou a
exigir direitos, os militares impam ordem e, inspirados na
Doutrina da Segurana Nacional, instalaram uma ditadura que durou 22
anos.
Com lutas, sacrifcio e dor, a sociedade
conquistou as eleies diretas e o sufrgio universal. Mas os
direitos sociais ainda no esto em vigor.
AMRICA LATINA
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A histria vivida pelo povo brasileiro basicamente a
mesma de todos os povos da Amrica Latina.
Alguns pases, mais do que o Brasil, foram submetidos a
episdios ainda mais graves: genocdio de ndios, revolues
sangrentas e ditaduras cruis (100 mil mortos e desaparecidos na
Guatemala e Amrica Central, nos ltimos 15 anos; 30 mil no Chile,
Argentina e Uruguai, durante as suas ditaduras militares) como atestam
os relatrios da instituio American Watch.
Paralelamente, cresce a pobreza no continente americano.
Ela atinge hoje, quase a metade da populao latina, o que representa
cerca de 460 milhes de pessoas. Desde as reformas que frearam as hiper
inflaes na Argentina, Mxico e Brasil, o nmero de pobres aumentou
em 60 milhes.
O desemprego, fruto do neo-liberalismo globalizante,
aumentou. Os diretos sociais como o da habitao, sade e educao,
continuam precrios.
A violncia disseminada leva ao preconceito difuso de que
o inimigo agora o pobre, perigoso porque incomoda com sua presena
feia e degradante, que a qualquer momento pode revoltar-se e tornar-se
violento. O pobre tende a se transformar num ente perigoso, temido; a
sua identidade est cada vez mais relacionada com o bandido, o marginal. Os excludos, na
terminologia dos anos 90, no so residuais nem temporrios, mas
contingentes populacionais crescentes que, no encontrando espao no
mercado, vagueiam pela cidade, sem emprego e sem teto, como afirma
Elimar Pinheiro Nascimento.
A pobreza, resultado do apartheid social num pas
onde convivem um primeiro e um quarto mundo fruto, no Brasil, da
segunda maior concentrao de renda do mundo. Mas esta acentuada
concentrao de rendas est disseminada por todo o continente.
Documento do CEPAL constata que os 10% dos
mais ricos latino-americanos ganham significativamente mais do que os
10% mais pobres: 70% mais, no Brasil; 50% no Mxico; 42% na Colmbia e
26%, na Argentina.
Segundo este documento, duzentos milhes de pessoas ainda vivem
em estado de pobreza na Amrica-Latina, apesar de o percentual ter cado
de 44% para 39% entre 1990 e 1994. O consultor do BID, Bernardo
Klisberg, prev que, na virada do milnio, 6 de cada 10
latino-americanos vivero na pobreza, e afirma que esta pobreza mata,
na Amrica-Latina, 1 milho e 500 mil pessoas entre as quais 900 mil
crianas.
O relatrio
de 1997, da American Watch por exemplo, denuncia freqentes e graves
violaes de Direitos Humanos na Colmbia, onde grupos militares,
para-militares, guerrilheiros e traficantes degladiam-se dizimando a
populao civil.
Na Colmbia, a percentagem de pobres subiu para 49% da populao;
este ndice ou de 15 para 17 milhes, em 2 anos. A histria
daquele pas um rosrio de violncias de todos os tipos: desde a
proclamao da Repblica, houve 40 revolues; a guerra interna,
entre 1948 e 1953, matou 300 mil pessoas; as guerrilhas, surgidas no
comeo dos anos 60, persistem atuantes at hoje.
No Mxico, aconteceram e acontecem perseguies nas reas rurais,
desaparecimentos e assassinatos. Os zapatistas continuam a mostrar ao
mundo o verdadeiro pas; entre 1994 e 1996, a cifra dos desaparecidos
ou de 1300.
Nem o Mxico, nem o Peru, nem o Chile, trs pases que se
manifestaram oficialmente como discpulos triunfantes do ajuste
neo-liberal, superaram a misria, a violncia e a indignao
popular.
A Guatemala que assinou h poucos meses, um tratado de paz, depois de
anos de guerras fratricidas, poder esquecer as dezenas de milhares de
torturados, desaparecidos, assassinados, os 70% da populao indgena
eliminados?
No Peru e na Venezuela, a tortura empregada oficial e
abertamente contra terroristas e criminosos comuns. A pobreza endmica,
a marginalizao, o desemprego, o porte ilegal de armas, o trfico de
drogas, so problemas preocupantes para todos os pases da Amrica-Latina.
Nas prises de todo o continente, milhares de presos vivem em condies
degradantes, muitos sem julgamento.
No Brasil, os massacres de Corumbiara, Carandiru, Candelria, Eldorado,
Diadema, Cidade de Deus e muitos outros, que nos envergonham, ainda
permanecem impunes.
A leitura do relatrio da American Watch que analisa a vigncia dos
Direitos Humanos na Amrica Latina, evidencia que h muito por fazer.
Seqestros, assassinatos, torturas, execues sumrias, corrupo,
trfico de drogas, prises desumanas: esta sucesso de dramas
aberrantes, agravados pela impunidade que os dilui, acabam no
esquecimento. Todos estes problemas no aconteceram num ado longnquo,
mas so fatos do presente, esto acontecendo nos dias atuais.
Basta lembrar o assassinato do Bispo Juan Gerardi, baleado em El
Salvador, em 26 de abril deste ano, dois dias depois de ter divulgado um
documento denunciando as execues e prises arbitrrias dos ltimos
anos em seu pas.
Diante de um quadro to sombrio da situao da Amrica Latina e do
Brasil, o que podemos fazer, ns, cidados conscientes, preocupados
com a justia e o Bem-Comum? Evidentemente no existem frmulas nem
respostas prontas.
O primeiro grande o a preocupao com estas questes. As solues
viro com o interesse e a participao de todos. Porm, a tomada de
conscincia da responsabilidade social de cada um no nasce
gratuitamente na nossa sociedade egosta, individualista e consumista.
Da a importncia da educao e particularmente da Educao em
Direitos Humanos.
H 26 anos, a Comisso Justia e Paz de So Paulo luta contra
injustias, participando no Brasil de todas as lutas populares de apoio
e defesa dos presos polticos, pela Anistia, contra a Doutrina de
Segurana Nacional, pela Constituinte, contra a pena de morte, sempre
na primeira linha de defesa pela justia e em prol dos perseguidos.
Tambm atuou junto a refugiados latino-americanos, fugitivos das
ditaduras vizinhas, do Chile, Uruguai e Argentina, mais de mil aram
por seus escritrios.
A partir da fundao desta Comisso, muitas outras organizaes,
com preocupaes especficas, foram surgindo.
Com a volta do Estado democrtico, a responsabilidade evoluiu e
compreendemos que no bastam existirem eleies livres e no bastam
leis justas, se elas no forem reconhecidas e respeitadas. No
suficiente que os governos eleitos democraticamente tenham boas intenes
se no existir esprito cvico e participao popular.
preciso que o povo conhea seus Direitos e deveres, preciso EDUCAO.
Em contato com vrias Organizaes No-Governamentais da Amrica
Latina, constatamos que o trabalho mais til a ser feito era o de Educao
em Direitos Humanos. Um trabalho baseado no dilogo, em que todos os
envolvidos so considerados sujeitos.
Em 1995, um grupo de militantes, convencidos da
importncia de uma educao humanizadora, fundou a REDE BRASILEIRA DE
EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS, junto com outras Organizaes No-Governamentais
de todo o Brasil.
A REDE uma entidade supra-partidria,
supra-religiosa e sem fins lucrativos que tem como objetivo a educao
em Direitos Humanos, para a construo de justia, de democracia e da
paz. A REDE tem compromissos permanentes com a urgncia de uma
sociedade mais justa, com o respeito pluralidade e diversidade de
pessoas ede grupos sociais e culturais, com a vigncia da cidadania
para todos os brasileiros e com a tolerncia e a paz. Partindo da
dignidade da pessoa humana, procuramos mostrar nos cursos, os direitos
de cada um, que so tambm direitos do prximo. A partir deste
conhecimento, nasce o respeito a estes direitos e deveres.
Educar, como diz o educador uruguaio Luiz Perez Aguirre, modificar as
atitudes e as condutas. atingir os coraes, os estilos de vida, as
convices. Para transformar a realidade necessrio trabalhar o
cotidiano em toda a sua complexidade. Por isso, a Educao em Direitos
Humanos, mais do que contedos, deve transmitir uma postura da pessoa
no mundo. No deve ser uma disciplina ensinada apenas em sala de aula,
mas deve ser transversal a todas as matrias e a todo o conhecimento,
um estado de esprito que deve permear todas as nossas atitudes no
dia-a-dia.
Educar em Direitos Humanos uma tomada de posio, uma maneira
de ser perante o acinte, o mais devastador e humilhante que a situao
de pobreza desumana em que vivem milhes na Amrica Latina. (Luiz
Perez Aguirre).
Desenvolver uma prtica social solidria e participativa
um imperativo tico para aqueles que acreditam no ser humano, que
aspiram por um mundo de Paz, Justia e Fraternidade. A classe mdia
tem uma grande responsabilidade na educao daqueles que no tm
voz, que no sabem que tm direitos, dos excludos, da nossa
sociedade injusta. Preocupados com
a crise sombria em que vivemos, sentimos todos o dever de buscar
algo maior que d sentido de luta para a vida, e sentido nossa
esperana.
H muita coisa positiva sendo feita. um desafio
discernirmos as sementes de esperana j
plantadas e j dando frutos. So sementes
fundamentais da pessoa humana, o clamor
contra as vrias formas de injustias, a
sensibilidade pela situao de misria.
Cada um tem um papel e uma responsabilidade
mas preciso que todos sejamos semeadores
de Esperana.
Temos o dever de lutar pela fraternidade,
esquecida do mundo de hoje, pela solidariedade entre os povos,
pela tolerncia entre as pessoas, pelo desarmamento das mentes
e dos coraes, pela aceitao do outro, diferente mas igual,
sempre nosso irmo. No importa que estas belas idias sejam um
trabalho a longo prazo. Sem utopias, a vida no vale a pena ser
vivida.
BIBLIOGRAFIA
3o155t
SORONDO, Fernando. Os
direitos atravs da histria.
SILVA, Humberto Pereira
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Dissertao de mestrado SP 1995
WEIS, Carlos. Os
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1998
HERKENHOFF, Joo
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FAORO,
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