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No
a Guerra
Tertuliano
Cabral Pinheiro*
Os
atentados terroristas contra os Estados Unidos, ocorridos
dia 11.09.01, expe, primeira vista, o dio daqueles
que sempre usaram o nome de Deus para realizar suas
ofensivas polticas.
No Brasil de 1964 a 1980, durante o perodo mais
brutal do regime Militar os seus defensores igualmente
usaram o nome de Deus para combater o mal, travestido na
imagem do anticristo que, naqueles dias eles identificavam
como sendo o comunismo. Consideravam os comunistas a
personificao do inimigo externo infiltrado em solo
ptrio e, como tal, deviam ser abatidos.
Satirizando
Hitler, Charles Chaplin no filme
O ltimo Ditador, produziu um belssimo e
potico texto que j denunciava este comportamento
poltico: ... em nome de Deus muitos desalmados chegam
ao poder. No Brasil de hoje e de ontem vimos a
presena de polticos dessa estirpe. Durante o longo
perodo das navegaes e das conquistas perpetradas
pelos imprios europeus, a histria retrata as benes
da Igreja a pases que na sua ao invasora praticaram
genocdio, opresso e escravido. Na idade mdia,
atravs das cruzadas, a prpria igreja com seus
aliados patrocinava barbrie contra povos e pessoas em
todo o mundo, levando-os as torturas mais cruis e as
fogueiras dos Tribunais da Inquisio.
Porm,
foram as luzes da Declarao da Independncia dos
Estados Unidos em 1776 e posteriormente a Revoluo
sa de 1789, que atravs da Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado marcou indelevelmente a
chegada ao que os historiadores classificam de idade
moderna. As idias florescentes neste perodo
buscaram superar a viso teocntrica de mundo existente
at ento, afirmando novos valores que traduziram-se
numa preocupao mais profunda com o ser humano. Surgiu
a o antropocentrismo, cujo humanismo racional fez
emergir um homem dotado de dignidades que lhes so
inerentes e prprias, com direito a expressar suas
convices polticas e filosficas em favor da sua
liberdade de pensar e agir.
A
partir da o mundo ocidental pensava est livre
dos dogmas religiosos da Idade Mdia e da noo que se fazia at ento do ser humano. O direito
criminal moderno enterrou a lei do talio. Mas, as
guerras continuaram a existir quase que como uma vocao
humana insupervel.
Barbrie e
barbries, uma aps
outra, vem revelando o esprito de intolerncia e a
falta de solidariedade que reside na grande
maioria dos seres humanos. So intolerncias
ticas, religiosas e polticas. A falta de solidariedade
se revela na face cruel de milhes de pessoas, crianas
e adultas, que em todo o mundo sobrevivem muito abaixo da
linha da pobreza, excludas de qualquer possibilidade de
desenvolvimento como
ser humano. O mundo e nosso pas , por assim dizer, um
paiol.
Os
Estados Unidos em face
dos seus interesses econmicos, age neste cenrio
com muitas contradies. Enquanto por um lado proclama
os direitos humanos como valores universais, por outro tem
sido responsvel direto ou indireto por dantescos
conflitos em diversas localidades do planeta desde os
tempos da guerra
fria. Sem que adentremos o mrito, podemos destacar
alguns destes fatos. Foi o primeiro pas que produziu a
bomba atmica e o nico que teve a coragem de
arremess-la contra uma populao civil, matando de uma
nica vez milhares de pessoas. bem verdade que tambm
fez intervenes em defesa de valores humanitrios
universalmente consagrados (combate ao genocdio
tnico), mas, foi a intransigente defesa da criao de
um Estado Judeu no Oriente Mdio, bem como o fato de
arm-lo at os dentes, possibilitando que
posteriormente aquele pas se apropriasse do
restante do territrio que pertence a Palestina e parte
do territrio da Sria, que contraiu para si o dio de
significativa parcela do povo rabe de origem muulmana.
Como uma conseqncia que segue certa lgica, desde a
criao de Israel os Estados Unidos privilegia com sua
poltica externa os interesses do Estado Judeu em
detrimento dos Palestinos e outros povos da regio.
O
que assistimos
em Nova Iorque e Washington aparentemente uma resposta
de radicais islmicos contra esta poltica externa
americana para quela regio. certo e justo?
Certamente que no. condenvel, mas como numa guerra
de intolerncia, cada um usa as armas que possui, os
terroristas exibiram as deles. Exibiram com o rancor e a
fria insana, que tal como demonstrado, somente os
corruptores do nome de Deus so capazes de faz-lo.
Porm, qual a diferena da resposta que os Estados
Unidos pretende dar? Cheia do mesmo rancor e do dio que
move seus opositores de hoje que, num ado prximo
armou e treinou contra o mal comunista.
Parece-me que ambas as partes acreditam que a
vingana preconizada pela lei de talio a verdadeira
justia. Os americanos
aquartelam-se e partem para uma ofensiva, cujo alvo
extremamente subjetivo e pode estar em qualquer lugar do
mundo, ou, em verdade, o prprio mundo. A indstria
da guerra festeja tal postura, mas a maior parte da
populao mundial, revelam as pesquisas, exige
paz.
A
paz que desejamos, j dizia Dom Hlder Cmara, fruto
da verdadeira justia, sem esta nunca existir paz
duradoura, nem aqui e menos ainda no Oriente Mdio. Isto
no implica que os terroristas fiquem impunes, porm,
h que se ter muita cautela, pois no se vence uma
idia com fogo, mas com outra idia. A igreja sabe
disso. Os Estados Unidos ganharam a guerra fria quando
apagaram o fogo e utilizaram seus recursos econmicos e
diplomticos em favor da paz. Porque acha que vai ser
diferente com os povos islmicos? Certamente est
virando a cara para sua prpria histria, histria para
a qual nos voltamos como uma necessidade de entender o
presente e corrigir os desvios em favor de um futuro
melhor para todos.
*O
autor Advogado e Coordenador de Direitos Humanos da
Secretaria de Estado do Trabalho, da Justia e da
Cidadania SEJUC/RN.
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