Sujeitos
sociais e direitos humanos
2v2j32 Pedro
Cludio Cunca Bocayuva (Diretor da FASE)
O
constitucionalismo moderno tem, na promulgao de um texto
escrito contendo uma declarao dos Direitos Humanos e de
cidadania, um dos momentos centrais de desenvolvimento e de
conquista, que consagra as vitrias do cidado sobre o poder.
(Dicionrio de Poltica de Norberto Bobbio)
Poder
constituinte
A Declarao Universal dos
Direitos Humanos
O fim da Guerra Fria e a globalizao
O dilema dos direitos humanos
entre a banalizao e a emancipao
A centralidade do tema da
democracia
Direitos Humanos Internacionais
O Pacto Internacional de Direitos
Econmicos, Sociais e Culturais
Esfera Pblica e experimentalismo
ativo dos sujeitos socias
Poder
constituinte
 
Inscritos
na constituio brasileira de 1988 os direitos humanos
internacionais e, particularmente os Direitos Econmicos Sociais
e Culturais, servem de referncia para questionar os limites das
polticas pblicas e o quadro de desigualdades estruturais que
marca a sociedade brasileira.
Nesse texto procuramos abordar o sentido da disputa entre uma
concepo dos direitos como instrumentos de emancipao e
igualdade em relao aos direitos enquanto ideologia de dominao
e da lgica de expanso global do capital. Nas pginas que
seguem fazemos uma
breve reflexo sobre o sentido poltico da questo dos
direitos, enquanto parte da problemtica poltica da realizao
de uma democratizao substantiva da nossa sociedade, no
contexto internacional aberto na virada do ano 2000. O tema das
formas de constituio e funcionamento do pacto poltico, o
tema da distribuio e equilbrio entre as instituies do
Estado com a diviso dos poderes, as relaes entre democracia
direta e democracia representativa no sero objeto desse
trabalho. Mas partimos de uma viso que afirma o sentido
pluralista e dinmico das formas da democracia enquanto processo
poltico e scio-material, porque baseado nas diferenas
internas da sociedade civil, porque baseado na dinmica do
pluralismo poltico, dos processos eletivos, das divises de
poder, em suma, das regras do jogo do regime democrtico. O
centro da nossa reflexo se dirige muito mais ao aspecto scio-material
da relao entre liberdade e igualdade, pois nossa preocupao
tem a centralidade posta na dimenso nem sempre reconhecida dos
direitos humanos econmicos, sociais, culturais e ambientais,
diretamente ligados aos processos de alargamento dos direitos
civis e polticos.
A
fora dos processos polticos e revolues contemporneas
inscreveram, desde o final do sculo XVII com a Revoluo
Gloriosa na Inglaterra e no
sculo XVIII com a Revoluo sa e a Revoluo
Americana, um conjunto de direitos emanados da luta dos povos.
Construo de base sobre a qual se deu o processo poltico de
formao da democracia e da cidadania, a partir do alargamento e
ampliao dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais e
culturais, ao longo do sculo XX. As lutas pelos direitos, as
revolues polticas, as reformas sociais, as reformas polticas,
os pactos constitucionais nascidos de crises e conflitos
historicamente significativos mostraram, a vitalidade e o peso da
relao entre a cultura dos direitos e a presso dos movimentos
sociais para a criao de formas institucionais, regimes,
governos e processos democrticos ao longo da histria contempornea.
O
sculo XX indicou a continuidade da problemtica dos direitos
nas lutas contra as ditaduras, contras os imperialismos e contra
as formas ditas totalitrias. As revolues liberais democrticas,
os movimentos e revolues socialistas, os processos de reforma
civil e poltica e as lutas pela descolonizao apresentaram
plataformas mobilizadoras de direitos, como fundamento para novos
pactos polticos e para a realizao de mudanas nas
estruturas materiais e no Estado. Essa tica ampla dos direitos,
como correlativos ao poder instituinte e constituinte dos povos,
se relaciona com o debate sobre a fonte da qual se origina o poder
tico-normativo que garante o pacto democrtico. Esse poder dos
indivduos unidos, o poder da multido como fonte de criao
de direitos e sua relao com a democracia, foram identificados
por Spinoza no contexto da crise geral do sculo XVII.
Os
contratualistas e o iluminismo partem de uma viso mais
delegativa e representativa como fundamento da teoria da
soberania, do Estado, do governo ou do Prncipe. Mas, como afirma
Antonio Negri, o
poder imanente dos sujeitos, da multido, da unio do povo que
aparece como potncia de construo social e poltica ativa.
De forma distinta da concepo de Rousseau que coloca a vontade
geral e o poder constitudo como a fonte do poder soberano do
povo, materializado no contrato social que define um terreno
abstrato genrico para a produo da igualdade, o Tratado Poltico
de Spinoza aponta para o poder constituinte como base para a
democracia: se dois indivduos se unem e associam suas foras
aumentam, assim, o seu poder, e, por conseguinte, o seu direito. E
mais indivduos formem a aliana, mais, todos, em conjunto, tero
direitos. O direito de constrangimento que parte da base do
direito comum apresenta um trao coletivo ativo e no alienado
na funo do soberano, de certa forma antecipando a concepo
da moderna democracia de massas : esse direito, que definido
pelo poder da multido, costuma-se chamar ESTADO, e est em
plena posse desse direito, quem por consentimento comum, zela
pelas coisas pblicas, isto , estabelece leis interpreta-as,
abole-as, fortifica as cidades, decide da guerra e da paz, etc. Se
tudo isso se faz por uma assemblia sada da massa do povo, o
Estado chama-se DEMOCRACIA. Se de alguns homens privilegiados,
ARISTOCRACIA. E, se, enfim, de um s, MONARQUIA.
A Declarao Universal dos
Direitos Humanos 3t415w
A
dimenso internacional do processo nas descontinuidades e
rupturas histricas aproxima o debate do direito, enquanto
relacionado ao poder soberano dos Estados, com a dimenso de
liberdade e igualdade que impulsiona os conflitos sociais que
atualizam a concepo dos atores coletivos, numa dialtica que
transborda os marcos dos conflitos nas esferas nacionais. O marco
histrico materializado na Declarao Universal dos Direitos
Humanos de 1948 expressa a tenso histrica das vitrias dos
cidados sobre o poder, na sua relao com os problemas das
relaes desiguais entre os Estados nos diferentes sistemas polticos
e diante do carter mundializado do capitalismo. A Declarao
se distingue pela unificao das diferentes geraes histricas
de direitos, unificando o sentido indivisvel dos direitos ao
colocar os direitos econmicos, sociais e culturais, como do
trabalho, da educao, da moradia, etc, ao lado dos direitos
civis e polticos. Para Flvia Piovesan ao conjugar o valor
da liberdade com o valor da igualdade, a Declarao demarca a
concepo contempornea de direitos humanos, pela qual os
direitos humanos am a ser concebidos como uma unidade
interdependente, inter-relacionada e indivisvel.
A
problemtica da ampliao dos direitos atravs das lutas
sociais e nacionais aceleradas na dcada de sessenta ganha novo
sentido em diferentes contextos de lutas, como o da democratizao
na Amrica Latina e no Brasil, como no colapso do socialismo
real, como na crise e conflitos ligados ao processo denominado de
globalizao aberto com a crise do capitalismo nos ltimos
trinta anos. No sculo XXI a conscincia, a prtica e a luta em
defesa ou pela criao de direitos continua sendo uma brecha
para a construo de plataformas e conflitos em torno da
liberdade e da igualdade, sendo os direitos humanos um instrumento
para a sua exigibilidade e materialidade, assim como, para a sua
justiciabilidade e reconhecimento para a cidadania. Os direitos
humanos continuam sendo a base formal e subjetiva, nos termos das
constituies nacionais e do Direito Internacional, que permite
observar o poder ativo e criativo da cidadania como condio
para a democracia poltica.
O
final da Segunda Guerra Mundial colocou para o mundo a questo de
uma nova relao entre os Estados Nacionais, onde as diferentes
soberanias e blocos polticos tiveram de organizar um complexo
sistema de relaes mediadoras atravs da montagem da Organizao
das Naes Unidas. Isso visando fazer frente, aos efeitos do
nazi-fascismo e do ultra-militarismo japons, para estabelecer
mediaes e regulaes para a disputa entre o bloco
capitalista e o bloco socialista, assim como, diante do declnio
do sistema europeu, diante dos problemas da reconstruo da
economia mundial; para fazer frente ao processo de descolonizao
dos povos da frica da sia e, diante de um conjunto de dinmicas
geopolticas e econmicas que marcavam o contexto ps-guerra.
Os
trinta anos que sucederam a montagem desse sistema assistiram ao
efeito combinado de guerras localizadas e crises ligadas ao
processo da Guerra Fria, debates sobre o desenvolvimento e o no-alinhamento
dos pases perifricos e um processo de crescimento de
capitalismo industrial regulado ou organizado. Na base dos efeitos
dos crimes contra a humanidade, na base de uma hegemonia
norte-americana, a regulao do sistema internacional, baseado
na centralidade dos atores estatais, esteve sempre mais marcada
pela dinmica geopoltica e econmica do que pela perspectiva
dos direitos. Mas a emergncia dos direitos humanos
internacionais a partir da declarao dos direitos humanos, dos
pactos e convenes para sua implementao, abriu uma dimenso
ideolgica e poltica significativa para os desafios da construo
de uma ordem internacional hegemonicamente estabilizada.
O fim da Guerra Fria e a globalizao 462b5t
No
momento poltico internacional marcado pelo fim da Guerra Fria e
o desmoronamento do bloco liderado pela antiga URSS, pela crise do
regime de acumulao fordista, pelos processos de acelerao
da mundializao do capital, pela revoluo
informacional-comunicacional e pela crise dos poderes e regulaes
nacionais clssicos, os direitos internacionais aparecem como
terreno de legitimao e disputa para o estabelecimento de condies
novas para uma estabilidade hegemnica. Mas nas brechas do tema
dos direitos humanos, na sua indivisibilidade, existe uma tenso
e luta pela sua exigibilidade e justiciabilidade enquanto formas
de proteo das pessoas, dos povos e das naes. O eterno
dilema que atravessa a noo de direito reascende como tema no
mbito internacional pelas contradies entre os fluxos e o
poder do capital e os modos de vida das coletividades marcados por
formas de explorao, dominao e desigualdade, que atualizam
os mais diversos tipos de conflitos militares, polticos, econmicos,
culturais, religiosos, tnicos, de classe, de gnero, nas mais
diversas formas de reproduo scio-ambiental.
Uma
vasta gama de conflitos sociais emergem no final do sculo
ligados: aos contextos urbanos; ao poder e participao das
mulheres; ao conflito scio-ambiental; aos problemas demogrficos
e estratgias de bio-poder; s redes scio-produtivas; aos
fluxos de bens servios e capitais; aos novos processos
produtivos imateriais e indstria cultural; ao processo de
espetacularizao da vida social; aos processos de criminalizao
e violncia difusa; precarizao das relaes de trabalho;
crise fiscal do Estado; aos processos de ajuste e reestruturao;
aos processos de integrao econmica e formao de blocos;
aos processos polticos neoliberais; aos fluxos migratrios; aos
conflitos tnico-raciais; s guerras localizadas, etc. Como
afirma Jos Maria Gmez difcil que o princpio democrtico
e a garantia de direitos no plano universal possa ter um sentido
unvoco nesse contexto marcado pelas assimetrias e desigualdades
derivadas da globalizao. O princpio democrtico quando
subsumido universalizao das relaes mercantis
capitalistas, enquanto estruturao das relaes
internacionais, acaba por colidir com o uso e incremento real de
instituies democrticas e comunitrias que vo alm do
submetimento a regras de procedimento formal. O elo entre
democracia e mercado globalizado, pelas redes e fluxos do capital
transnacionalizado e hierarquizado na sua distribuio espacial,
acaba por gerar uma contradio de fundo com uma hiptese de
apropriao ativa da democracia pelas diferentes foras poltico-sociais
de contestao.
Segundo
Luis Carlos Fridman, no extremo oposto da globalizao e da
volatilidade do espao dos fluxos do capital e das suas
transformaes scio-produtivas e tecnolgicas, com todo seu
impacto na formao da cultura ps-moderna, enquanto lgica
cultural do capitalismo tardio, vai se constituindo um conjunto de
fronteiras de excluso. Ao lado da luta cosmopolita dos povos,
movimentos e pessoas por uma polifonia marcada por novos
estilos de vida, ainda temos o predomnio de uma nova
estratificao social, segundo capacidades de movimento no
tempo e no espao, definindo um contorno de mobilidade
extraterritorial e global para as elites e uma excluso
territorializada ou de movimento de deslocamento forado para o
resto.
Os processos que transbordam as fronteiras nacionais exigem
das sociedades civis e movimentos sociais uma abordagem que
combine: o resgate da cultura de criao direitos e garantias ao
lado de uma abordagem que parte de um paradigma que tenha em conta
essa crise geral das fronteiras. Novas multides de excludos
e vulnerveis colocam na ordem do dia uma agenda mundial baseada
no uso alternativo dos instrumentos e pactos internacionais. Essa
experincia vem sendo animada no Brasil e nas Amricas pela
Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e
Desenvolvimento.
O dilema dos direitos humanos
entre a banalizao e a emancipao 3h82y
Se
em nome dos direitos o Ocidente e o mundo capitalista conduziram
grande parte da sua lgica de dominao mundial e da
legitimidade para suas intervenes civilizadores, numa lgica
oposta, em nome dos direitos, os povos vem se revoltando e
construindo estratgias de emancipao poltica. Essa disputa
entre poderes e foras assimtricas, na ordem internacional
segue as linhas de fora do dilema da histria dos povos na direo
de pactos e constituies polticas nacionais. Na dialtica
promovida pela polarizao entre o que vem da parte do Prncipe
com o que vem da parte do Povo. Uma tenso permanente na
relao entre as instituies de poder e as formas jurdicas
enquanto dispositivos estratgicos que estruturam as relaes
sociais. O que representa no mnimo, para os de baixo na
escala social, um conjunto de liberdades negativas, cujo sentido
reside em que o Estado no pode acionar o poder do uso legtimo
da fora para alm de um certo limite.Por outro lado, temos as
liberdades positivas enquanto garantias e direitos que so o
ponto de partida da integrao social no pacto poltico
entre iguais, o pacto democrtico.
O
risco da banalizao do direito ou do fetichismo jurdico e
institucional marcou o perodo histrico do ps-guerra, em funo
da esterilizao Estado social regulador, das polticas pblicas
e das relaes salariais e previdencirias. Mas isso no
impede que, no momento de crise das formas organizadas de
capitalismo, o direito seja recolocado em termos do conflito
social e de novas perspectivas de resgate da sua dimenso histrica.
Trata-se de recuperar a potncia mobilizadora dos direitos
humanos sob a base de novas subjetividades ativas, atravs dos
movimentos sociais e das aes individuais que lhe do
materialidade.
A
tentativa de encontrar um ngulo de anlise, dos direitos na sua
complexidade, se explica pela enorme diversidade de aspectos da
vida social que so marcados pela relao entre Estado, normas
e leis. O peso da temtica dos direitos no cotidiano sob as mais
diversas formas de instituies e smbolos que afetam a vida
social, o peso dos conflitos internacionais e das formas de regulao
e disputa entre os pases e das lutas dos povos, quase sempre
remetem aos fatores de socializao e institucionalizao dos
sistemas e pactos polticos, enquanto aparelhos e prticas de
carter jurdico-poltico. Para abordarmos esse processo em
torno da temtica dos direitos poderamos escolher alguns
paradigmas para explicar como se constroem as formas legais e
normativas, os pactos polticos, os sistemas legais, os aparelhos
de justia e segurana, que configuram a ordem legal do Estado
dito de Direito. As explicaes que partem da naturalizao
dos direitos, da sua positivao, ou da sua superao, falam
de problemas ligados aos temas da soberania, da representao e
do poder imanente de construo ativa dos sujeitos, enquanto
debate sobre as diferentes fontes para o estabelecimento dos
direitos. A dialtica entre conservao de formas de dominao
baseadas na alienao de poder, nas mos do soberano, e os
problemas da tica ativa e emancipatria dos sujeitos sociais,
est no centro dos problemas da interpretao do sentido dos
direitos como instrumentos de construo das democracias.
Na
direo da identificao da natureza real do Estado de
Direito, Franois Chtelet e velyne Psier-Kouchner advertem
que, como ideal-tipo,
o Estado de Direito no tem funo legtima a no ser
militante: recordao de uma exigncia. Alm disso, ele s
funciona como ideologia.
Esse princpio ativo se liga ao conceito de Estado Democrtico
expresso por Claude Lefort pela noo de excedente na experincia
de ampliao dos marcos do Estado de Direito. Pois ele,
experimenta direitos que ainda no esto incorporados, o
teatro de uma contestao cujo objeto no se reduz conservao
de um pacto tacitamente estabelecido mas que se forma a partir de
focos que o poder no pode dominar inteiramente. Da legitimao
da greve ou dos sindicatos ao direito relativo ao trabalho ou
segurana social, desenvolveu-se assim sobre a base dos direitos
do homem toda uma histria que transgredia as fronteiras nas
quais o Estado pretendia se definir, uma histria que continua
aberta.
Mas, no sentido inverso, a perda da capacidade de afirmao de
novos direitos pode gerar recuos e retrocessos at mesmo dos
direitos j formalizados e existentes. Os zig-zagues da luta
democrtica na atualidade brasileira podem servir de exemplo para
confirmar essa tese, os avanos dos Sem-Terra na realizao
antecipadora de elementos de reforma agrria, a demarcao de
terras indgenas, os direitos das mulheres, a ao afirmativa
dos negros em relao s populaes remanescentes de
Quilombos, ou inversamente o fim da escala mvel de salrios, a
eliminao de uma poltica salarial e de redistribuio de
rendas, a instituio de contratos precrios de trabalho, a
reduo das dotaes oramentrias vinculadas a polticas
sociais em nome do ajuste e da estabilizao.
A centralidade do tema da
democracia 4i105v
A
questo democrtica aparece como centro e problema crucial para
os desafios colocados pela relao entre liberdade e igualdade,
que marcam a problemtica dos direitos humanos enquanto centro da
reflexo sobre o estatuto dos direitos no pacto poltico e na
forma de organizao e distribuio do poder na sociedade,
para a definio dinmica das instituies e prticas que
garantam a dinmica da justia. A justia, em termos sociais e
polticos, enquanto o conjunto das prticas de distribuio e
aplicao dos direitos, em nome da sua universalidade e da
igualdade entre as pessoas, opera em funo dos conflitos, dos
delitos e das demandas. A justia nas sociedades modernas e
atuais esta marcada por uma dinmica que se relaciona com as demais
formas de construo de leis e normas, que se materializam nos
aparatos e processos que constituem o elo entre coao, sano,
fora, atravs de padres de legalidade e legitimidade nas
ordens polticas modernas ditas racionais. A Soberania, o Poder e
o Estado tem como sua outra face a Constituio, a Lei, o
Direito, enquanto categorias que definem o terreno complexo das
relaes de fora, das estruturas de dominao, e do poder
material e simblico do ordenamento dos aparelhos jurdico-polticos.
A
questo do Estado Democrtico de Direito e dos Direitos Humanos
se coloca como um objeto to mais relevante quanto mais a ordem
nacional est marcada por processos de modernizao e
complexidade do sistema de classes sociais, das formas de urbanizao
e dos padres culturais de massas. A questo dos Direitos
Humanos Internacionais, das relaes entre instituies e
agenciais interestatais e internacionais, se coloca no centro das
disputas sobre a hegemonia e o governo mundial na nova ordem
internacional hegemonizada pelo capital globalizado. A norma e a
coao, a lei e o uso da fora, enquanto fundamento de uma
ordem jurdica e poltica nacional remetem ao seu elo com a
estrutura de poder internacional, onde o direito aparece como a
forma ideolgica instituda, espao de regulao do exerccio
das disputas por aqueles que se encontram sob o manto da dominao
e da desigualdade estrutural de foras materiais e militares. Mas
por um efeito semelhante ao do campo de disputas e conflitos
internos aos estados nacionais, o direito tambm remete aos
conflitos e aos projetos emancipatrios das foras sociais, das
classes populares, das naes oprimidas, das minorias e dos
vulnerveis e excludos.
Direitos Humanos Internacionais 173j6g
O
espao local, nacional, regional e internacional so permeados
pela tenso entre coero e consenso que marca os novos
deslocamentos e funes que afetam a relao entre os Estados
no sistema internacional. O Imprio do capital precisa
istrar a crise das suas fronteiras e tenses fragmentadoras
para estabilizar o seu padro de dominao dos espaos e redes
de fluxos material e imaterial transnacionalizado. O poder de
empresas e bancos se relaciona com os novos sistemas e conexes
de redes globais, com as novas crises e conflitos locais,
redefinindo as funes de poder e regulao dos Estados
Nacionais. Enquanto categoria universal de ordenamento jurdico
os direitos internacionais possuem uma face e brecha de abertura
para a lgica emancipadora e a prtica reivindicativa dos povos
e das vtimas de violao desses processos, na busca de um uso
ativo em todos os planos dos direitos humanos na sua integralidade
enquanto expresso de uma condio mnima de qualidade de vida
e igualdade entre os povos. Pois os direitos humanos so um
meio de tornar os Estados responsveis diante da realidade dos
grupos e indivduos vulnerveis e das futuras geraes. Os
direitos humanos so reafirmados e codificados no Direito
Internacional. Os instrumentos e mecanismos existentes no Direito
Internacional, relacionados aos direitos humanos, podem ser usados
e fortalecidos pelas ONGs
e pelos movimentos sociais, desde que concretizados no terreno
objetivo de suas prticas e nas correlaes com as aes polticas
e jurdicas que incidem nos processos nacionais e locais.
O
legado contraditrio das lutas democrticas e sociais dos povos
se expressa no terreno dos direitos na busca de uma concretude,
exigibilidade e justiciabilidade dos direitos humanos expressos na
Declarao Universal dos Direitos Humanos, mas que tem sua
implementao dependente da aplicao efetiva dos pactos
e convenes internacionais. Enquanto fator subjetivo e
instrumento de luta dos homens e mulheres oprimidos, os direitos
humanos so parte integrante de um processo histrico universal
de instituio de uma resignificao dos direitos, cujo peso
poltico para a realizao das liberdades e da igualdade
depende do exerccio e apropriao dos direitos como base
propulsora das demandas ativas dos sujeitos coletivos no plano
local, nacional e internacional. A relao entre democracia e
direitos se coloca como dimenso de prxis universal e
coletiva para os sujeitos sociais, nos termos colocados por
Marilena Chau, a sociedade democrtica institui direitos
pela abertura do campo social criao de direitos reais,
ampliao de direitos existentes e criao de novos
direitos.
O Pacto Internacional de Direitos
Econmicos, Sociais e Culturais 1y4q3y
Na
busca de uso ativo dos direitos humanos para o fortalecimento de
um eixo estratgico de democratizao substantiva da sociedade
brasileira o Movimento Nacional de Direitos Humanos, ao lado de
outras instituies, vem realizando um trabalho de presso para
o cumprimento por parte do Estado brasileiro das exigncias de
cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos,
Sociais e Culturais (PIDESC). Essa experincia que gerou um relatrio
alternativo da sociedade brasileira servir de base para um
conjunto de aes que visam o cumprimento desses direitos
inscritos na nossa Constituio, permitindo gerar uma nova
abordagem das estratgias de elaborao de contenciosos jurdicos,
apoiando a criao de uma nova subjetividade que permita aos
movimentos sociais se perceberem enquanto atores instituintes com
fora de presso para a modificao dos rumos das polticas pblicas
restritivas, minimalistas e excludentes.
A viso dos movimentos sociais e das aes individuais como
configuradoras de sujeitos de direito faz parte de uma releitura
do horizonte estratgico das lutas pela democracia, resgantando
os acmulos das lutas sociais e histricas anteriores e
apostando numa perspectiva de justia redistributiva e de
radicalizao da democracia. O duplo carter da inscrio
constitucional dos direitos humanos econmicos, sociais e
culturais na nossa Constituio, como artigo e como Pacto
Internacional, vincula e propicia uma nova forma de unificao
das bandeiras e lutas democrticas, enquanto atravessadas pelo
sentido poltico dos direitos como instrumento de criao do
espao de vida cidad e com resgate das tradies democrticas
e socialistas de carter emancipatrio.
A
estratgia de luta por direitos, no marco jurdico, no marco
legislativo e na ao social autnoma dos movimentos coloca na
ordem do dia a possibilidade de pensarmos a ampliao da
democracia como alargamento de transformaes sociais, na
perspectiva de avanos dentro da ordem democrtica no sentido
colocado pela viso do poder constituinte assinalado por
Florestan Fernandes. O carter inconcluso de nossa democracia e o
problema dos limites e restries da Constituio aprovada em
1988, e em parte piorada pelas reformas neoliberais, no impede o
uso desse centro sensvel programtico como forma atual de luta
pela democratizao. O uso dos direitos humanos econmicos,
sociais, culturais e ambientais
como instrumento de organizao das plataformas de lutas sociais
da cidadania, dos trabalhadores e do povo se relaciona
estreitamente com a viso segundo a qual: a emancipao dos
oprimidos e das classes trabalhadoras precisa comear dentro da
sociedade civil e do Estado existente, atravs de uma luta global
que tome por objeto encetar uma revoluo poltica dentro da
ordem.
Esfera Pblica e experimentalismo
ativo dos sujeitos socias h4110
A
perspectiva de uma orientao de unificao das lutas baseada
no carter universal dos direitos, com a ao afirmativa e
distributiva favorvel aos excludos e vitimados pelas formas de
opresso e discriminao, alarga o campo de viso da problemtica
democrtica brasileira, inscreve os elementos da experincia
social internacional e enfrenta os limites dados pelo poder
autoritrio e pelas oligarquias e monoplios que dominam a vida
nacional. Nos termos postos por Carlos Nelson Coutinho, a
esfera poltica restrita que era prpria aos Estados
elitistas - tanto autoritrios como liberais - cede
progressivamente lugar a uma esfera pblica ampliada,
caracterizada pelo protagonismo poltico de amplas e crescentes
organizaes de massas.
O programa da democracia brasileira e a plataforma de luta pelos
direitos econmicos, sociais , culturais e ambientais se alimenta
da potncia criativa dos novos movimentos sociais, enquanto
sujeitos coletivos de luta por direitos, a partir das redes
organizadas e da multido desorganizada, que se coloca na cena pblica
como demandadora de justia social e poltica como base da
reorganizao e redefinio dos objetivos do desenvolvimento
nacional, nos termos das alianas e dilemas enfrentados pela
sociedade humana no contexto da mundializao, portando,
enquanto direitos humanos internacionais. O que significa dizer
que as aes locais e nacionais rebatem e remetem para o plano
das instituies internacionais e afetam o sentido das definies
que orientam o atual desenho das Naes Unidas.
Nos
termos aqui propostos cabe reinventar os direitos na direo da
materialidade dos processos de desenvolvimento social, enquanto
construo da democracia ampliada pelo poder constituinte dos
sujeitos individuais e coletivos. A organizao da sociedade
civil se coloca numa perspectiva de reorganizao das suas aes
coletivas tendo em vista os sistemas de garantias e protees,
fruto da socializao poltica e de
novas esferas pblicas de participao, garantindo a
exigibilidade das polticas e a juridiciabilidade dos direitos,
frente aos poderes do Estado e frente ao sistema internacional.
Pois como afirma Mangabeira Unguer, os progressistas devem
reinterpretar, em vez de rejeitar, a idia de direitos
fundamentais. J que, existe uma relao dialtica entre
a proteo aos indivduos em abrigo de interesses vitais e a
capacidade dos indivduos de prosperar em meio ao
experimentalismo acelerado. Os sujeitos coletivos emergem
enquanto sujeitos de direitos como condio da realizao da
democracia.
????l???U?div style="mso-element:footnote" id="ftn11">
p class="MsoFootnoteText"> SECRETARIADO
INTERNACIONAL DA FIAN. Direitos Humanos Econmicos e
Sociais, seu tempo chegou. T,
FIAN, MNDH, Gois, 1995.
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