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Sujeitos sociais e direitos humanos 2v2j32

Pedro Cludio Cunca Bocayuva (Diretor da FASE)

O constitucionalismo moderno tem, na promulgao de um texto escrito contendo uma declarao dos Direitos Humanos e de cidadania, um dos momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as vitrias do cidado sobre o poder. (Dicionrio de Poltica de Norberto Bobbio)[1]

Poder constituinte

A Declarao Universal dos Direitos Humanos

O fim da Guerra Fria e a globalizao

O dilema dos direitos humanos entre a banalizao e a emancipao

A centralidade do tema da democracia

Direitos Humanos Internacionais

O Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais

Esfera Pblica e experimentalismo ativo dos sujeitos socias

Poder constituinte &nbsp

Inscritos na constituio brasileira de 1988 os direitos humanos internacionais e, particularmente os Direitos Econmicos Sociais e Culturais, servem de referncia para questionar os limites das polticas pblicas e o quadro de desigualdades estruturais que marca a sociedade brasileira[2]. Nesse texto procuramos abordar o sentido da disputa entre uma concepo dos direitos como instrumentos de emancipao e igualdade em relao aos direitos enquanto ideologia de dominao e da lgica de expanso global do capital. Nas pginas que seguem fazemos uma breve reflexo sobre o sentido poltico da questo dos direitos, enquanto parte da problemtica poltica da realizao de uma democratizao substantiva da nossa sociedade, no contexto internacional aberto na virada do ano 2000. O tema das formas de constituio e funcionamento do pacto poltico, o tema da distribuio e equilbrio entre as instituies do Estado com a diviso dos poderes, as relaes entre democracia direta e democracia representativa no sero objeto desse trabalho. Mas partimos de uma viso que afirma o sentido pluralista e dinmico das formas da democracia enquanto processo poltico e scio-material, porque baseado nas diferenas internas da sociedade civil, porque baseado na dinmica do pluralismo poltico, dos processos eletivos, das divises de poder, em suma, das regras do jogo do regime democrtico. O centro da nossa reflexo se dirige muito mais ao aspecto scio-material da relao entre liberdade e igualdade, pois nossa preocupao tem a centralidade posta na dimenso nem sempre reconhecida dos direitos humanos econmicos, sociais, culturais e ambientais, diretamente ligados aos processos de alargamento dos direitos civis e polticos.

A fora dos processos polticos e revolues contemporneas inscreveram, desde o final do sculo XVII com a Revoluo Gloriosa na Inglaterra e no sculo XVIII com a Revoluo sa e a Revoluo Americana, um conjunto de direitos emanados da luta dos povos. Construo de base sobre a qual se deu o processo poltico de formao da democracia e da cidadania, a partir do alargamento e ampliao dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais e culturais, ao longo do sculo XX. As lutas pelos direitos, as revolues polticas, as reformas sociais, as reformas polticas, os pactos constitucionais nascidos de crises e conflitos historicamente significativos mostraram, a vitalidade e o peso da relao entre a cultura dos direitos e a presso dos movimentos sociais para a criao de formas institucionais, regimes, governos e processos democrticos ao longo da histria contempornea.

O sculo XX indicou a continuidade da problemtica dos direitos nas lutas contra as ditaduras, contras os imperialismos e contra as formas ditas totalitrias. As revolues liberais democrticas, os movimentos e revolues socialistas, os processos de reforma civil e poltica e as lutas pela descolonizao apresentaram plataformas mobilizadoras de direitos, como fundamento para novos pactos polticos e para a realizao de mudanas nas estruturas materiais e no Estado. Essa tica ampla dos direitos, como correlativos ao poder instituinte e constituinte dos povos, se relaciona com o debate sobre a fonte da qual se origina o poder tico-normativo que garante o pacto democrtico. Esse poder dos indivduos unidos, o poder da multido como fonte de criao de direitos e sua relao com a democracia, foram identificados por Spinoza no contexto da crise geral do sculo XVII.

Os contratualistas e o iluminismo partem de uma viso mais delegativa e representativa como fundamento da teoria da soberania, do Estado, do governo ou do Prncipe. Mas, como afirma Antonio Negri, o poder imanente dos sujeitos, da multido, da unio do povo que aparece como potncia de construo social e poltica ativa[3]. De forma distinta da concepo de Rousseau que coloca a vontade geral e o poder constitudo como a fonte do poder soberano do povo, materializado no contrato social que define um terreno abstrato genrico para a produo da igualdade, o Tratado Poltico de Spinoza aponta para o poder constituinte como base para a democracia: se dois indivduos se unem e associam suas foras aumentam, assim, o seu poder, e, por conseguinte, o seu direito. E mais indivduos formem a aliana, mais, todos, em conjunto, tero direitos. O direito de constrangimento que parte da base do direito comum apresenta um trao coletivo ativo e no alienado na funo do soberano, de certa forma antecipando a concepo da moderna democracia de massas : esse direito, que definido pelo poder da multido, costuma-se chamar ESTADO, e est em plena posse desse direito, quem por consentimento comum, zela pelas coisas pblicas, isto , estabelece leis interpreta-as, abole-as, fortifica as cidades, decide da guerra e da paz, etc. Se tudo isso se faz por uma assemblia sada da massa do povo, o Estado chama-se DEMOCRACIA. Se de alguns homens privilegiados, ARISTOCRACIA. E, se, enfim, de um s, MONARQUIA. [4]

A Declarao Universal dos Direitos Humanos 3t415w

A dimenso internacional do processo nas descontinuidades e rupturas histricas aproxima o debate do direito, enquanto relacionado ao poder soberano dos Estados, com a dimenso de liberdade e igualdade que impulsiona os conflitos sociais que atualizam a concepo dos atores coletivos, numa dialtica que transborda os marcos dos conflitos nas esferas nacionais. O marco histrico materializado na Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 expressa a tenso histrica das vitrias dos cidados sobre o poder, na sua relao com os problemas das relaes desiguais entre os Estados nos diferentes sistemas polticos e diante do carter mundializado do capitalismo. A Declarao se distingue pela unificao das diferentes geraes histricas de direitos, unificando o sentido indivisvel dos direitos ao colocar os direitos econmicos, sociais e culturais, como do trabalho, da educao, da moradia, etc, ao lado dos direitos civis e polticos. Para Flvia Piovesan ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade, a Declarao demarca a concepo contempornea de direitos humanos, pela qual os direitos humanos am a ser concebidos como uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisvel.[5]

A problemtica da ampliao dos direitos atravs das lutas sociais e nacionais aceleradas na dcada de sessenta ganha novo sentido em diferentes contextos de lutas, como o da democratizao na Amrica Latina e no Brasil, como no colapso do socialismo real, como na crise e conflitos ligados ao processo denominado de globalizao aberto com a crise do capitalismo nos ltimos trinta anos. No sculo XXI a conscincia, a prtica e a luta em defesa ou pela criao de direitos continua sendo uma brecha para a construo de plataformas e conflitos em torno da liberdade e da igualdade, sendo os direitos humanos um instrumento para a sua exigibilidade e materialidade, assim como, para a sua justiciabilidade e reconhecimento para a cidadania. Os direitos humanos continuam sendo a base formal e subjetiva, nos termos das constituies nacionais e do Direito Internacional, que permite observar o poder ativo e criativo da cidadania como condio para a democracia poltica.

O final da Segunda Guerra Mundial colocou para o mundo a questo de uma nova relao entre os Estados Nacionais, onde as diferentes soberanias e blocos polticos tiveram de organizar um complexo sistema de relaes mediadoras atravs da montagem da Organizao das Naes Unidas. Isso visando fazer frente, aos efeitos do nazi-fascismo e do ultra-militarismo japons, para estabelecer mediaes e regulaes para a disputa entre o bloco capitalista e o bloco socialista, assim como, diante do declnio do sistema europeu, diante dos problemas da reconstruo da economia mundial; para fazer frente ao processo de descolonizao dos povos da frica da sia e, diante de um conjunto de dinmicas geopolticas e econmicas que marcavam o contexto ps-guerra.

Os trinta anos que sucederam a montagem desse sistema assistiram ao efeito combinado de guerras localizadas e crises ligadas ao processo da Guerra Fria, debates sobre o desenvolvimento e o no-alinhamento dos pases perifricos e um processo de crescimento de capitalismo industrial regulado ou organizado. Na base dos efeitos dos crimes contra a humanidade, na base de uma hegemonia norte-americana, a regulao do sistema internacional, baseado na centralidade dos atores estatais, esteve sempre mais marcada pela dinmica geopoltica e econmica do que pela perspectiva dos direitos. Mas a emergncia dos direitos humanos internacionais a partir da declarao dos direitos humanos, dos pactos e convenes para sua implementao, abriu uma dimenso ideolgica e poltica significativa para os desafios da construo de uma ordem internacional hegemonicamente estabilizada.

O fim da Guerra Fria e a globalizao 462b5t

No momento poltico internacional marcado pelo fim da Guerra Fria e o desmoronamento do bloco liderado pela antiga URSS, pela crise do regime de acumulao fordista, pelos processos de acelerao da mundializao do capital, pela revoluo informacional-comunicacional e pela crise dos poderes e regulaes nacionais clssicos, os direitos internacionais aparecem como terreno de legitimao e disputa para o estabelecimento de condies novas para uma estabilidade hegemnica. Mas nas brechas do tema dos direitos humanos, na sua indivisibilidade, existe uma tenso e luta pela sua exigibilidade e justiciabilidade enquanto formas de proteo das pessoas, dos povos e das naes. O eterno dilema que atravessa a noo de direito reascende como tema no mbito internacional pelas contradies entre os fluxos e o poder do capital e os modos de vida das coletividades marcados por formas de explorao, dominao e desigualdade, que atualizam os mais diversos tipos de conflitos militares, polticos, econmicos, culturais, religiosos, tnicos, de classe, de gnero, nas mais diversas formas de reproduo scio-ambiental.

Uma vasta gama de conflitos sociais emergem no final do sculo ligados: aos contextos urbanos; ao poder e participao das mulheres; ao conflito scio-ambiental; aos problemas demogrficos e estratgias de bio-poder; s redes scio-produtivas; aos fluxos de bens servios e capitais; aos novos processos produtivos imateriais e indstria cultural; ao processo de espetacularizao da vida social; aos processos de criminalizao e violncia difusa; precarizao das relaes de trabalho; crise fiscal do Estado; aos processos de ajuste e reestruturao; aos processos de integrao econmica e formao de blocos; aos processos polticos neoliberais; aos fluxos migratrios; aos conflitos tnico-raciais; s guerras localizadas, etc. Como afirma Jos Maria Gmez difcil que o princpio democrtico e a garantia de direitos no plano universal possa ter um sentido unvoco nesse contexto marcado pelas assimetrias e desigualdades derivadas da globalizao. O princpio democrtico quando subsumido universalizao das relaes mercantis capitalistas, enquanto estruturao das relaes internacionais, acaba por colidir com o uso e incremento real de instituies democrticas e comunitrias que vo alm do submetimento a regras de procedimento formal. O elo entre democracia e mercado globalizado, pelas redes e fluxos do capital transnacionalizado e hierarquizado na sua distribuio espacial, acaba por gerar uma contradio de fundo com uma hiptese de apropriao ativa da democracia pelas diferentes foras poltico-sociais de contestao.[6]

Segundo Luis Carlos Fridman, no extremo oposto da globalizao e da volatilidade do espao dos fluxos do capital e das suas transformaes scio-produtivas e tecnolgicas, com todo seu impacto na formao da cultura ps-moderna, enquanto lgica cultural do capitalismo tardio, vai se constituindo um conjunto de fronteiras de excluso. Ao lado da luta cosmopolita dos povos, movimentos e pessoas por uma polifonia marcada por novos estilos de vida, ainda temos o predomnio de uma nova estratificao social, segundo capacidades de movimento no tempo e no espao, definindo um contorno de mobilidade extraterritorial e global para as elites e uma excluso territorializada ou de movimento de deslocamento forado para o resto[7]. Os processos que transbordam as fronteiras nacionais exigem das sociedades civis e movimentos sociais uma abordagem que combine: o resgate da cultura de criao direitos e garantias ao lado de uma abordagem que parte de um paradigma que tenha em conta essa crise geral das fronteiras. Novas multides de excludos e vulnerveis colocam na ordem do dia uma agenda mundial baseada no uso alternativo dos instrumentos e pactos internacionais. Essa experincia vem sendo animada no Brasil e nas Amricas pela Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento.

O dilema dos direitos humanos entre a banalizao e a emancipao 3h82y

Se em nome dos direitos o Ocidente e o mundo capitalista conduziram grande parte da sua lgica de dominao mundial e da legitimidade para suas intervenes civilizadores, numa lgica oposta, em nome dos direitos, os povos vem se revoltando e construindo estratgias de emancipao poltica. Essa disputa entre poderes e foras assimtricas, na ordem internacional segue as linhas de fora do dilema da histria dos povos na direo de pactos e constituies polticas nacionais. Na dialtica promovida pela polarizao entre o que vem da parte do Prncipe com o que vem da parte do Povo. Uma tenso permanente na relao entre as instituies de poder e as formas jurdicas enquanto dispositivos estratgicos que estruturam as relaes sociais. O que representa no mnimo, para os de baixo na escala social, um conjunto de liberdades negativas, cujo sentido reside em que o Estado no pode acionar o poder do uso legtimo da fora para alm de um certo limite.Por outro lado, temos as liberdades positivas enquanto garantias e direitos que so o ponto de partida da integrao social no pacto poltico entre iguais, o pacto democrtico.

O risco da banalizao do direito ou do fetichismo jurdico e institucional marcou o perodo histrico do ps-guerra, em funo da esterilizao Estado social regulador, das polticas pblicas e das relaes salariais e previdencirias. Mas isso no impede que, no momento de crise das formas organizadas de capitalismo, o direito seja recolocado em termos do conflito social e de novas perspectivas de resgate da sua dimenso histrica. Trata-se de recuperar a potncia mobilizadora dos direitos humanos sob a base de novas subjetividades ativas, atravs dos movimentos sociais e das aes individuais que lhe do materialidade. [8]

A tentativa de encontrar um ngulo de anlise, dos direitos na sua complexidade, se explica pela enorme diversidade de aspectos da vida social que so marcados pela relao entre Estado, normas e leis. O peso da temtica dos direitos no cotidiano sob as mais diversas formas de instituies e smbolos que afetam a vida social, o peso dos conflitos internacionais e das formas de regulao e disputa entre os pases e das lutas dos povos, quase sempre remetem aos fatores de socializao e institucionalizao dos sistemas e pactos polticos, enquanto aparelhos e prticas de carter jurdico-poltico. Para abordarmos esse processo em torno da temtica dos direitos poderamos escolher alguns paradigmas para explicar como se constroem as formas legais e normativas, os pactos polticos, os sistemas legais, os aparelhos de justia e segurana, que configuram a ordem legal do Estado dito de Direito. As explicaes que partem da naturalizao dos direitos, da sua positivao, ou da sua superao, falam de problemas ligados aos temas da soberania, da representao e do poder imanente de construo ativa dos sujeitos, enquanto debate sobre as diferentes fontes para o estabelecimento dos direitos. A dialtica entre conservao de formas de dominao baseadas na alienao de poder, nas mos do soberano, e os problemas da tica ativa e emancipatria dos sujeitos sociais, est no centro dos problemas da interpretao do sentido dos direitos como instrumentos de construo das democracias.

Na direo da identificao da natureza real do Estado de Direito, Franois Chtelet e velyne Psier-Kouchner advertem que, como ideal-tipo, o Estado de Direito no tem funo legtima a no ser militante: recordao de uma exigncia. Alm disso, ele s funciona como ideologia[9]. Esse princpio ativo se liga ao conceito de Estado Democrtico expresso por Claude Lefort pela noo de excedente na experincia de ampliao dos marcos do Estado de Direito. Pois ele, experimenta direitos que ainda no esto incorporados, o teatro de uma contestao cujo objeto no se reduz conservao de um pacto tacitamente estabelecido mas que se forma a partir de focos que o poder no pode dominar inteiramente. Da legitimao da greve ou dos sindicatos ao direito relativo ao trabalho ou segurana social, desenvolveu-se assim sobre a base dos direitos do homem toda uma histria que transgredia as fronteiras nas quais o Estado pretendia se definir, uma histria que continua aberta[10]. Mas, no sentido inverso, a perda da capacidade de afirmao de novos direitos pode gerar recuos e retrocessos at mesmo dos direitos j formalizados e existentes. Os zig-zagues da luta democrtica na atualidade brasileira podem servir de exemplo para confirmar essa tese, os avanos dos Sem-Terra na realizao antecipadora de elementos de reforma agrria, a demarcao de terras indgenas, os direitos das mulheres, a ao afirmativa dos negros em relao s populaes remanescentes de Quilombos, ou inversamente o fim da escala mvel de salrios, a eliminao de uma poltica salarial e de redistribuio de rendas, a instituio de contratos precrios de trabalho, a reduo das dotaes oramentrias vinculadas a polticas sociais em nome do ajuste e da estabilizao.

A centralidade do tema da democracia 4i105v

A questo democrtica aparece como centro e problema crucial para os desafios colocados pela relao entre liberdade e igualdade, que marcam a problemtica dos direitos humanos enquanto centro da reflexo sobre o estatuto dos direitos no pacto poltico e na forma de organizao e distribuio do poder na sociedade, para a definio dinmica das instituies e prticas que garantam a dinmica da justia. A justia, em termos sociais e polticos, enquanto o conjunto das prticas de distribuio e aplicao dos direitos, em nome da sua universalidade e da igualdade entre as pessoas, opera em funo dos conflitos, dos delitos e das demandas. A justia nas sociedades modernas e atuais esta marcada por uma dinmica que se relaciona com as demais formas de construo de leis e normas, que se materializam nos aparatos e processos que constituem o elo entre coao, sano, fora, atravs de padres de legalidade e legitimidade nas ordens polticas modernas ditas racionais. A Soberania, o Poder e o Estado tem como sua outra face a Constituio, a Lei, o Direito, enquanto categorias que definem o terreno complexo das relaes de fora, das estruturas de dominao, e do poder material e simblico do ordenamento dos aparelhos jurdico-polticos.

A questo do Estado Democrtico de Direito e dos Direitos Humanos se coloca como um objeto to mais relevante quanto mais a ordem nacional est marcada por processos de modernizao e complexidade do sistema de classes sociais, das formas de urbanizao e dos padres culturais de massas. A questo dos Direitos Humanos Internacionais, das relaes entre instituies e agenciais interestatais e internacionais, se coloca no centro das disputas sobre a hegemonia e o governo mundial na nova ordem internacional hegemonizada pelo capital globalizado. A norma e a coao, a lei e o uso da fora, enquanto fundamento de uma ordem jurdica e poltica nacional remetem ao seu elo com a estrutura de poder internacional, onde o direito aparece como a forma ideolgica instituda, espao de regulao do exerccio das disputas por aqueles que se encontram sob o manto da dominao e da desigualdade estrutural de foras materiais e militares. Mas por um efeito semelhante ao do campo de disputas e conflitos internos aos estados nacionais, o direito tambm remete aos conflitos e aos projetos emancipatrios das foras sociais, das classes populares, das naes oprimidas, das minorias e dos vulnerveis e excludos.

Direitos Humanos Internacionais 173j6g

O espao local, nacional, regional e internacional so permeados pela tenso entre coero e consenso que marca os novos deslocamentos e funes que afetam a relao entre os Estados no sistema internacional. O Imprio do capital precisa istrar a crise das suas fronteiras e tenses fragmentadoras para estabilizar o seu padro de dominao dos espaos e redes de fluxos material e imaterial transnacionalizado. O poder de empresas e bancos se relaciona com os novos sistemas e conexes de redes globais, com as novas crises e conflitos locais, redefinindo as funes de poder e regulao dos Estados Nacionais. Enquanto categoria universal de ordenamento jurdico os direitos internacionais possuem uma face e brecha de abertura para a lgica emancipadora e a prtica reivindicativa dos povos e das vtimas de violao desses processos, na busca de um uso ativo em todos os planos dos direitos humanos na sua integralidade enquanto expresso de uma condio mnima de qualidade de vida e igualdade entre os povos. Pois os direitos humanos so um meio de tornar os Estados responsveis diante da realidade dos grupos e indivduos vulnerveis e das futuras geraes. Os direitos humanos so reafirmados e codificados no Direito Internacional. Os instrumentos e mecanismos existentes no Direito Internacional, relacionados aos direitos humanos, podem ser usados e fortalecidos pelas ONGs[11] e pelos movimentos sociais, desde que concretizados no terreno objetivo de suas prticas e nas correlaes com as aes polticas e jurdicas que incidem nos processos nacionais e locais.

O legado contraditrio das lutas democrticas e sociais dos povos se expressa no terreno dos direitos na busca de uma concretude, exigibilidade e justiciabilidade dos direitos humanos expressos na Declarao Universal dos Direitos Humanos, mas que tem sua implementao dependente da aplicao efetiva dos pactos[12] e convenes internacionais. Enquanto fator subjetivo e instrumento de luta dos homens e mulheres oprimidos, os direitos humanos so parte integrante de um processo histrico universal de instituio de uma resignificao dos direitos, cujo peso poltico para a realizao das liberdades e da igualdade depende do exerccio e apropriao dos direitos como base propulsora das demandas ativas dos sujeitos coletivos no plano local, nacional e internacional. A relao entre democracia e direitos se coloca como dimenso de prxis universal e coletiva para os sujeitos sociais, nos termos colocados por Marilena Chau, a sociedade democrtica institui direitos pela abertura do campo social criao de direitos reais, ampliao de direitos existentes e criao de novos direitos[13].

O Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais 1y4q3y

Na busca de uso ativo dos direitos humanos para o fortalecimento de um eixo estratgico de democratizao substantiva da sociedade brasileira o Movimento Nacional de Direitos Humanos, ao lado de outras instituies, vem realizando um trabalho de presso para o cumprimento por parte do Estado brasileiro das exigncias de cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Essa experincia que gerou um relatrio alternativo da sociedade brasileira servir de base para um conjunto de aes que visam o cumprimento desses direitos inscritos na nossa Constituio, permitindo gerar uma nova abordagem das estratgias de elaborao de contenciosos jurdicos, apoiando a criao de uma nova subjetividade que permita aos movimentos sociais se perceberem enquanto atores instituintes com fora de presso para a modificao dos rumos das polticas pblicas restritivas, minimalistas e excludentes[14]. A viso dos movimentos sociais e das aes individuais como configuradoras de sujeitos de direito faz parte de uma releitura do horizonte estratgico das lutas pela democracia, resgantando os acmulos das lutas sociais e histricas anteriores e apostando numa perspectiva de justia redistributiva e de radicalizao da democracia. O duplo carter da inscrio constitucional dos direitos humanos econmicos, sociais e culturais na nossa Constituio, como artigo e como Pacto Internacional, vincula e propicia uma nova forma de unificao das bandeiras e lutas democrticas, enquanto atravessadas pelo sentido poltico dos direitos como instrumento de criao do espao de vida cidad e com resgate das tradies democrticas e socialistas de carter emancipatrio.

A estratgia de luta por direitos, no marco jurdico, no marco legislativo e na ao social autnoma dos movimentos coloca na ordem do dia a possibilidade de pensarmos a ampliao da democracia como alargamento de transformaes sociais, na perspectiva de avanos dentro da ordem democrtica no sentido colocado pela viso do poder constituinte assinalado por Florestan Fernandes. O carter inconcluso de nossa democracia e o problema dos limites e restries da Constituio aprovada em 1988, e em parte piorada pelas reformas neoliberais, no impede o uso desse centro sensvel programtico como forma atual de luta pela democratizao. O uso dos direitos humanos econmicos, sociais, culturais e ambientais[15] como instrumento de organizao das plataformas de lutas sociais da cidadania, dos trabalhadores e do povo se relaciona estreitamente com a viso segundo a qual: a emancipao dos oprimidos e das classes trabalhadoras precisa comear dentro da sociedade civil e do Estado existente, atravs de uma luta global que tome por objeto encetar uma revoluo poltica dentro da ordem.[16]

Esfera Pblica e experimentalismo ativo dos sujeitos socias h4110

A perspectiva de uma orientao de unificao das lutas baseada no carter universal dos direitos, com a ao afirmativa e distributiva favorvel aos excludos e vitimados pelas formas de opresso e discriminao, alarga o campo de viso da problemtica democrtica brasileira, inscreve os elementos da experincia social internacional e enfrenta os limites dados pelo poder autoritrio e pelas oligarquias e monoplios que dominam a vida nacional. Nos termos postos por Carlos Nelson Coutinho, a esfera poltica restrita que era prpria aos Estados elitistas - tanto autoritrios como liberais - cede progressivamente lugar a uma esfera pblica ampliada, caracterizada pelo protagonismo poltico de amplas e crescentes organizaes de massas.[17] O programa da democracia brasileira e a plataforma de luta pelos direitos econmicos, sociais , culturais e ambientais se alimenta da potncia criativa dos novos movimentos sociais, enquanto sujeitos coletivos de luta por direitos, a partir das redes organizadas e da multido desorganizada, que se coloca na cena pblica como demandadora de justia social e poltica como base da reorganizao e redefinio dos objetivos do desenvolvimento nacional, nos termos das alianas e dilemas enfrentados pela sociedade humana no contexto da mundializao, portando, enquanto direitos humanos internacionais. O que significa dizer que as aes locais e nacionais rebatem e remetem para o plano das instituies internacionais e afetam o sentido das definies que orientam o atual desenho das Naes Unidas.

Nos termos aqui propostos cabe reinventar os direitos na direo da materialidade dos processos de desenvolvimento social, enquanto construo da democracia ampliada pelo poder constituinte dos sujeitos individuais e coletivos. A organizao da sociedade civil se coloca numa perspectiva de reorganizao das suas aes coletivas tendo em vista os sistemas de garantias e protees, fruto da socializao poltica e de novas esferas pblicas de participao, garantindo a exigibilidade das polticas e a juridiciabilidade dos direitos, frente aos poderes do Estado e frente ao sistema internacional. Pois como afirma Mangabeira Unguer, os progressistas devem reinterpretar, em vez de rejeitar, a idia de direitos fundamentais. J que, existe uma relao dialtica entre a proteo aos indivduos em abrigo de interesses vitais e a capacidade dos indivduos de prosperar em meio ao experimentalismo acelerado. Os sujeitos coletivos emergem enquanto sujeitos de direitos como condio da realizao da democracia. [18]



[1] BOBBIO, Norberto, MATEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de Poltica. Editora Universidade de Braslia, 3a.ed, Braslia, 1986.

[2] O artigo sexto da Constituio brasileira de 1988 afirma que: so direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio in Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Coord. ALVES, Geraldo Magela e equipe. Editora Forense, 3a.ed, Rio de Janeiro, 2000.

[3] NEGRI, Antonio. L pouvoir constituant. Essai sur les alternatives de la modernit. Presses Uiversitaires de . Paris, 1997.

[4] SPINOZA. Tratado Poltico. Edies de Ouro, Rio de Janeiro, sem data.

[5] PIOVESAN, Flavia. Temas de Direitos Humanos. Editora Max Limonad, So Paulo, 1998.

[6] GOMEZ, Jos Maria. Poltica e democracia em tempos de globalizao. Editora Vozes, Petrpolis-RJ, 2000.

[7] FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens ps-modernas.Configuraes institucionais contemporneas. Editora Relume Dumar, Rio de Janeiro, 2000.

[8] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crtica da razo indolente. Contra o desperdcio da experincia. Editora Cortez, So Paulo, 2000.

[9] CHTELET, Franois e PISIER-KOUCHNER, velyne. As concepes polticas do sculo XX.Histria do Pensamento Poltico. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1983.

[10] LEFORT, Claude. A inveno democrtica. Os limites do totalitarismo. Editora Brasiliense, 1983.

????l???U?div style="mso-element:footnote" id="ftn11"> p class="MsoFootnoteText">[11] SECRETARIADO INTERNACIONAL DA FIAN. Direitos Humanos Econmicos e Sociais, seu tempo chegou. T, FIAN, MNDH, Gois, 1995.

[12] Os principais pactos que orientam as convenes especficas, como a sobre a tortura, e os protocolos facultativos para a sua implementao, so o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos Sociais e Culturais adotado pela Resoluo n.2.200-A (XXI) da Assemblia Geral das Naes Unidas, em 16 de dezembro de 1966 ( em vigor desde de 03 de janeiro de 1976, em conformidade com o artigo 27). Ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, adotado e aberto , ratificao e adeso pela Resoluo 2.200-A(XXI) da Assemblia Geral das Naes Unidas, de 16 de dezembro de 1966 (em vigor desde 23 de maro de 1976, em conformidade como artigo 49). Ratificado pelo Brasil, em 24 de janeiro de 1992.

[13] CHAUI, Marilena. Convite Filosofia. Editora tica, So Paulo, 1997.

[14] Existem duas edies de O Brasil e o Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. Relatrio da Sociedade Civil sobre o Cumprimento pelo Brasil, do PIDESC, uma delas editada pelo Movimento nacional de Direitos Humanos e demais entidades que coordenaram o processo de elaborao do relatrio, a outra, editada pela Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados, Congresso Nacional.

[15] Apesar da abordagem do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais englobar os temas da qualidade de vida e do direito ao desenvolvimento , o peso da questo ambiental e do tema da sustentabilidade scio-ambiental nos leva, muitas vezes, a usar a noo ampliada de DESCA (DESC +Ambientais) e no DESC, ao nos referirmos ao conjunto desses direitos. Por fora da relevncia da questo ambiental e da sua novidade em termos de marco jurdico cabe ampliar a interpretao desse conjunto de direitos.

[16] FERNANDES, Florestan. O processo constituinte. Assemblia Nacional Constituinte, Braslia, 1988.'

[17] COUTINHO, Carlos Nelson. A dualidade de poderes. Introduo teoria marxista do estado e revoluo. Editora Brasiliense, So Paulo, 1985.

[18] UNGUER, Roberto Mangabeira. A democracia realizada. A alternativa progressista. Boitempo Editorial, So Paulo, 1999.

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