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O QUE FORMAO PARA A CIDADANIA?

Entrevista com a sociloga e educadora Maria Victria Benevides
realizada por Silvio

Caccia Bava, diretor da ABONG, em janeiro de 2.000.

SILVIO: - Como voc est vendo, hoje, essa discusso da cidadania? Existem significados

distintos que so atribudos ao conceito dependendo de quem fala. Para voc, o que

cidadania hoje?

MARIA VICTRIA: - Cidadania para mim hoje se resume a uma palavra, que a participao.

A participao como indivduo ou como um grupo organizado nas mais variadas reas de

atuao na sociedade, na esfera pblica. Ento cidadania para mim sinnimo de

participao, ou seja, de no omisso, indiferena etc., em relao ao exerccio do poder.

SILVIO: - Eu tenho acompanhado alguns experimentos de participao, e hoje em dia

consigo perceber que certos tipos de participao so muito mais, vamos dizer assim,

mecanismos de cooptao dos de baixo, do que uma efetiva democratizao do poder. Se

cidadania para voc participao, tem alguma condio para essa participao, ou voc

est falando de uma maneira geral de participao?

MARIA VICTRIA: - Eu estou me referindo uma participao que realmente exige algumas

condies. claro que essa possibilidade de cooptao vai sempre existir, mas isso existe

mesmo em uma democracia mais avanada. A possibilidade de cooptao existe na

universidade, existe em relao ao sindicato, existe nos partidos polticos, existe nas mais

variadas reas e instncias da sociedade, do poder. Ento, a cooptao pode existir sim,

quando o prprio poder constitudo que abre espaos de participao, em relao, por

exemplo, a movimentos de moradores, a conselhos de fiscalizao, de gesto, etc. Ento

por isso que voc tem razo quando fala de certas condies, no ? Uma dessas condies

a autonomia dessa participao do grupo, do movimento, da associao, ou dos indivduos,

mtomados individualmente como eleitores, por exemplo. Como eleitores que vo participar de

processos de tomada de deciso atravs de consultas populares, iniciativas legislativas,

referendos, plebiscitos etc. A possibilidade de cooptao muito grave, mas ela pode ser

combatida de duas maneiras. Por uma maior informao, que a alma de qualquer proposta

de cidadania, por uma maior informao que seja efetivamente livre, de o

democratizado etc. E por uma preocupao com a autonomia tanto do lado da participao

da sociedade, quanto do lado do poder constitudo, no sentido de no impor

condicionamentos institucionais que subordinem, que leguem uma tutela dessa participao.

SILVIO: - A participao de que voc fala, eu estou entendendo que uma via de mo

dupla. Na sua opinio ela no existe sem a concordncia dos governos, mas ela tambm no

existe sem uma presso social. Mas de fato, hoje em dia, nesse perodo, nessa mar de

desconstruo da cidadania que ns estamos vivendo, mecanismos como oramento

participativo, ou como o funcionamento efetivo dos conselhos, dependem muito mais do

Estado, do que da sociedade civil.

MARIA VICTRIA: - por isso que eu queria dar como exemplo a figura dessas consultas

populares, que mostram como o poder constitudo pode desvirtuar e mesmo brecar uma

participao efetiva da cidadania democrtica.

Por exemplo, no caso da regulamentao dessas figuras jurdicas como referendos,

plebiscitos, iniciativa popular legislativa, que ns temos inscritos na Constituio desde 1988,

no nvel federal, no nvel estadual, no nvel local, o problema que se coloca que o Executivo

regulamenta de uma tal maneira que torna impossvel a livre manifestao e a livre

participao. Por exemplo, quando s o Executivo pode convocar, quando cabe ao Legislativo

decidir os temas que podem entrar numa convocao... A ltima regulamentao na Cmara

Federal praticamente impede a realizao dessas consultas.

O projeto de consultas populares aqui em So Paulo, no municpio, de autoria do ento

vereador Francisco Whitaker, foi aprovado na Cmara dos Vereadores por maioria, alis para

a grande surpresa da oposio. Mas depois o prprio prefeito, ento Paulo Maluf, vetou o

projeto, que continua engavetado at hoje. Ento, se brecou claramente essa possibilidade

de um tipo de participao atravs de mecanismos institucionais.

SILVIO: - Mas veja o outro lado da moeda, a Tribuna Livre est funcionando. Alguns

membros da I da corrupo da Cmara Municipal sugeriram a certas entidades da

sociedade civil que pedissem a constituio da Tribuna Livre para se manifestarem. E apesar

de uma divulgao razovel, pouca gente compareceu, o que sugere um certo descrdito

para as instituies. Ento, quando voc concentra a sua definio de cidadania na questo

da participao, eu fico me perguntando: Mas quem quer essa participao?". Ns estamos

em um perodo em que a cidadania est, vamos dizer assim, no centro do debate da questo

do poder. O descrdito nas instituies, a crise que a gente vive, estes fatores esto, vamos

dizer assim, fragilizando a existncia dessa cidadania de que voc fala.

MARIA VICTRIA: - Eu acho interessante que a gente volte a um clssico da cidadania

como Marshal para distinguir uma cidadania poltica e uma cidadania social. No plano da

democracia poltica, no exerccio efetivo de deveres e direitos polticos, ns estamos tendo

esses problemas, de uma manipulao, de cooptao, de brecar mesmo essa participao

autnoma, livre, democrtica. Esse processo tem como contrapartida do lado da sociedade

um desinteresse, um desencanto com a participao, que j foi muito mais intensa no final

dos anos setenta pra c, e mesmo, o que pior do que tudo, um desencanto e um

desinteresse pela prpria idia democrtica.

O mais perigoso a que o descrdito nas instituies polticas e democrticas ultraa a

figura das pessoas, dos executivos, dos parlamentares, para atingir o prprio cerne da ao

poltica, acaba se transformando num descrdito na ao poltica e na sua capacidade

transformadora. Ento, a-se a ter uma atitude na vida social que o oposto de qualquer

idia de cidadania democrtica, que o das estratgias individuais, do salve-se quem

puder, da justia pelas prprias mos, excluindo qualquer possibilidade de um mnimo de

solidariedade, no sentido do slido social, e de qualquer tipo de participao mais ativa na

sociedade. Isso, em relao cidadania poltica. Embora eu veja com muita apreenso o

estado atual e futuro dessa cidadania poltica, eu no posso abrir mo dela, eu acho que ela

essencial e os democratas radicais devem fazer tudo para que ela seja uma realidade, na

instncia do Executivo, do Legislativo e das vrias reas do povo organizado, que o

sinnimo de cidadania.

Voc deve ter reparado que cidadania virou tambm sinnimo de povo, quando se diz: A

cidadania exige tal coisa, A cidadania se manifestou ao reivindicar tal coisa, a cidadania

no ite mais.... Ento, eu estou muito consciente dessa realidade negativa e de riscos

inerentes, mas eu acho que se tem que insistir. E do lado dos governos, se no houver

presso, eles continuaro, que da prpria essncia do poder, e dos poderes executivos

principalmente, eles continuaro querendo controlar os processos, isso no h a menor

dvida. At no caso mais exitoso de participao cidad, como o caso do oramento

participativo, o Executivo, podendo controlar, vai querer controlar, isso no h dvida.

Ento, o que se tem que fazer de alguma maneira semelhante ao que ocorre com os

processos eleitorais. Os processos eleitorais tradicionais, votar em candidatos para o

Executivo, para o Legislativo, so evidentemente uma das primeiras prticas da cidadania

poltica, das mais antigas e que se mantm com pontos extremamente negativos, como a

existncia de legendas de aluguel, de compra efetiva de lugares para os candidatos, a

manipulao da informao, que dos mais graves abusos do poder econmico, a ausncia

de um mandato que tenha efetivamente condies de cobrana por parte do eleitorado, que

tenha a possibilidade de fiscalizao do eleitorado em cima dos representados... Eu, por

exemplo, defendo um tipo de mandato imperativo para enfrentar esses riscos e esses

problemas. A prpria participao fiscal no processo eleitoral tambm tem muitos riscos e

muitos problemas, mas no vai ser por causa disso, que ns vamos dizer que no precisamos

ter um processo eleitoral, rotineiro, formalmente institudo etc.

Ento, tanto na participao tradicional, numa democracia representativa, como na

participao em outras reas da atuao cidad, eu vejo a enorme necessidade daquilo que

eu chamo de uma educao para a democracia, uma formao para a cidadania, ou seja, um

movimento educacional no sentido poltico, que enfrente o problema do descrdito, do

desinteresse, do egosmo poltico, do desencanto com a prpria idia de democracia.

Eu fiquei muito impressionada com as ltimas pesquisas que foram feitas, daquilo que se

chama de latino barmetro, no Brasil e pases da Amrica do Sul. Essas pesquisas mostram

que o Brasil o pior colocado no sentido de opinies em relao superioridade do regime

democrtico. 49% dos entrevistados preferem a democracia, mas h 24% para quem tanto

faz, um nmero muito elevado, um quarto da populao absolutamente tanto faz, ser

democracia ou ditadura, e o outro quarto prefere a ditadura.

Eu at entendo mais quem prefere uma ditadura, porque assume radicalmente uma posio

favorvel ao autoritarismo, ao fechamento. Entendo mais do que aquele para quem

realmente tanto faz, no v diferena nenhuma entre democracia e ditadura. Esse um

problema serssimo. Agora, para enfrentar isso, s com um processo educacional, um

processo de educao poltica no sentido da democracia e da cidadania, e nisso que eu

tenho trabalhado mais.

Mas o outro lado, que recupera para a idia da cidadania um sentido mais forte, que deixa de

estar revestida nesses aspectos formais, a cidadania social. No sentido de que os cidados

tm direitos, direitos que so inalienveis, e direitos que so no apenas reivindicaes

diante de prestaes que o Estado deve cumprir, mas tambm possibilidades sempre em

aberto de criao de novos direitos. A cidadania nesse sentido a possibilidade de fruio

efetiva de direitos sociais, econmicos e culturais, de fruio efetiva no sentido de que esses

direitos no sejam apenas declamatrios, porque ns os temos na Constituio, mas eles

precisam estar acoplados a garantias efetivas, a mecanismos imediatos de garantia desses

direitos.

Por exemplo, foi muito ridicularizada uma lei aprovada no Congresso que garante o direito

moradia. Ela foi muito ridicularizada porque da maneira como est ridculo mesmo, teria que

todo mundo ter direito moradia etc. Essa lei significa o qu? Que todo mundo tem direito a

ter uma casa?

SILVIO: - Voc sabe que o Japo e os Estados Unidos, durante a discusso do Habitat II

foram radicalmente contra a afirmao desses direitos de moradia, porque a institucionalidade

democrtica desses pases garante que, uma vez aprovada essa lei, ela se torna efetiva para

todos. Ento eles foram contra...

MARIA VICTRIA: - um mecanismo auto-aplicvel imediato...

SILVIO: - Eles foram contra reconhecer esses direitos de moradia como um direito humano

porque seno teriam que criar oramentos nos seus prprios pases para atender a

necessidade de moradia de todo mundo.

MARIA VICTRIA: - Ento a nossa grande dificuldade no reconhecer esses direitos, no

declarar esses direitos, isto j est amplamente reconhecido e declarado. Vamos lembrar o

que foi o primeiro discurso do Fernando Henrique na campanha presidencial de 1994. Foi um

discurso radicalmente comprometido com a efetivao desses direitos, e no se avanou em

rigorosamente nada. Nesses cinco anos no se alcanou nada no campo de uma efetivao

de direitos econmicos, sociais, culturais etc. Ento, a cidadania no se esgota no plano da

cidadania poltica. Ela tambm no se restringe aos direitos sociais, econmicos, culturais,

at mesmo porque existe uma relao evidente entre cidadania poltica e cidadania social, na

medida em que sem essas possibilidades de participao, de canais de participao, a

reivindicao por esses direitos efetivos se torna mais difcil.

Ns podemos ter uma situao rigorosamente populista, no pssimo sentido da palavra, de

uma ausncia de canais de mediao, de intermediao, e teremos ento um novo

salvador, um pai dos pobres, que vai atender diretamente esses reclamos, os direitos

sociais, econmicos, culturais etc.

Ento elas se completam, a cidadania poltica e a cidadania social. No d para dizer que s

a garantia dos direitos sociais configura uma cidadania democrtica porque falta a liberdade e

a autonomia para a participao, at mesmo para reivindicar esses direitos. Assim como

tambm no d para defender s a participao para pessoas que no tm o mnimo para

uma existncia digna como seres humanos.

SILVIO:- Deixa eu complicar um pouquinho, de fato, eu me identifico com essas suas

definies, mas acho que ns estamos trabalhando no plano terico, ainda que iluminado por

experincias como o oramento participativo, ou os mecanismos de participao afirmados na

nova Constituio. O que ns vemos no processo histrico recente no Brasil o que vrios de

nossos colegas chamam de desconstruo de direitos. Essas reformas que encolhem a

previdncia, que retiram dinheiro das polticas sociais, ou aes de Estado, como por exemplo

na primeira greve dos petroleiros do governo FHC, que bateram firme na capacidade dos

trabalhadores de se organizarem e reivindicarem. Tudo isso leva a dizer hoje em dia, no meu

modo de ver, que a cidadania est em perigo, e que a luta pela construo da cidadania no

se opera s em condies institucionais favorveis. Mesmo durante a ditadura havia a

necessidade da defesa dos direitos humanos e tudo mais. Nesse cenrio, e eu tambm quero

saber se voc concorda com esse cenrio, o que a formao da cidadania?

MARIA VICTRIA: - Ns podemos pensar a formao para a cidadania num campo formal e

num campo informal. No campo informal, aquilo que a gente j conhece, atravs dos

movimentos, das associaes, das ONGs , at mesmo dos partidos polticos com os seus

programas de formao etc. E a formao no sentido mais formal se d atravs do sistema

regular de ensino, atravs da escola, do ensino fundamental, do ensino universitrio etc.

Ento essas duas modalidades, do ensino formal e da formao fora dos mecanismos formais

de ensino, aliadas ao uso efetivo dos meios de comunicao de massa, que so essas

possibilidades de se implementar programas de formao de educao para a cidadania.

Eu no vejo como ser possvel trabalhar nessas escolas e nessas instituies da sociedade

civil para uma educao para a cidadania sem um mnimo de o aos meios de

comunicao de massa. Hoje ns sabemos que a grande educadora do pas a Rede Globo,

que atinge a quase totalidade desse pas continental, e que realmente a produtora de

smbolos culturais, difusora de valores, tem portanto um papel altamente educativo.

Ento, as coisas esto muito ligadas, eu vejo uma grande necessidade de atuar na escola

desde o ensino fundamental, tenho trabalhado com vrios alunos na ps-graduao em

relao a esses programas, nas escolas pblicas principalmente, mas no se descartam as

escolas privadas, e programas desse tipo na Universidade. Acompanho tambm alguns

programas partidrios, que a meu ver tm um alcance mais reduzido, porque o partido quer

formar o seu cidado. Quer dizer, o PT tem um programa de formao poltica para formar o

qu? Para formar petista, e no necessariamente com uma abertura, com uma pluralidade

maior etc.

Mas defendo radicalmente uma interveno nos meios de comunicao de massa, no sentido

de um controle democrtico efetivo sobre a programao, e que comea j com a poltica de

concesses, de canais de TV e de rdio, mas tambm na abertura da participao direta da

cidadania nesses meios de comunicao, um direito que chamado direito de antena.

SILVIO: - Direito de antena?

MARIA VICTRIA: - Direito de antena, que existe, por exemplo, j com bastante xito na

Itlia, mas existe em outros pases tambm, eu conheo especficamente a experincia

italiana. O direito de antena consiste em o poder constitudo, relativo aos meios de

comunicao, que so essencialmente pblicos, concesses pblicas, garantir um espao

para instituies representativas da sociedade civil, assim como garante, por exemplo, o

famoso horrio gratuito para os partidos e candidatos no perodo eleitoral e ao longo do ano.

SILVIO: - Mas ns temos, por exemplo, a TV Comunitria, a TV Legislativa, a TV da

Universidade... so experincias ainda incipientes, mas que esto alterando...

MARIA VICTRIA: - Essas iniciativas so extremamente importantes, e eu acho que isso

deve ser ampliado, e que no precisa necessariamente estar vinculado a um canal, que exista

mesmo na TV aberta, no sentido de se garantir esse tempo, e que, por exemplo, a TV Globo

tenha que ter esse tempo, que a nica que avana em todo o territrio nacional. O Brasil

no tem o, na imensa maioria dos seus municpios, TV Comunitria, nem TV

Legislativa, nem sequer TV Educativa e TV Cultura. Ento ns defendemos, como o

caso de outros pases europeus, esse direito de antena, inclusive nos grandes canais da TV

aberta. Isso seria o qu? Isso seria um canal aberto para entidades representativas da

sociedade, por exemplo, para as centrais sindicais, para confederaes de ONGs, para

federaes por exemplo como movimento de mulheres, movimentos de conscincia negra,

movimentos de defesa dos ndios, movimentos de todo tipo se manifestarem.

Esses movimentos, de minorias em geral, precisam ter o regulamentado como o horrio

gratuito para candidatos e partidos, tomando como justificativa o prprio princpio

democrtico, no sentido de que no apenas a representao tradicional que garante essa

essncia democrtica da representao.

SILVIO: - Voc falou da necessidade da questo da democracia e da cidadania estarem

presentes nos currculos escolares normais, voc falou do direito de antena, tem algum

outro aspecto que voc acha importante ressaltar na idia da formao da cidadania?

MARIA VICTRIA: - Bem, os meios de comunicao de massa num sentido amplo, incluindo a

imprensa, tm um papel pedaggico importante, e isso deve ser enfatizado, deve ser

garantido. Mas a formao para a cidadania precisa se dar tambm no ensino formal e nas

entidades da sociedade civil. E precisam contar com a participao das ONGs, dos sindicatos,

dos partidos. O trabalho nas escolas no precisa necessariamente estar segmentado num

determinado currculo.

SILVIO: - No uma Moral e Cvica?

MARIA VICTRIA: - No uma Moral e Cvica. uma formao que comea pela formao

dos professores. No necessariamente um programa de aulas que sero dadas aos alunos

de uma determinada disciplina. Ser o que ns chamamos de um tema transversal, uma

formao que dada aos professores independentemente de sua rea de ensino.

Durante muito tempo se sups que essa era uma rea, como voc falou, de Moral e Cvica,

que caberia aos professores de Histria, aos professores de Geografia, aos professores de

Portugus no mximo. E ns estamos perfeitamente convencidos de que essa formao

cidad pode se dividir entre as mais variadas reas de ensino, um professor de Matemtica

pode estar perfeitamente formado nessa rea de cidadania e democracia na medida em que

ele vai pautar o seu relacionamento com os alunos e o seu tipo de insero na escola por

aqueles valores da cidadania e da democracia.

Eu digo que essa formao para a cidadania um problema muito difcil, porque se trata de

uma argumentao que no apenas do ponto de vista lgico, cientfico, formal. uma

argumentao que a pela tica, pela persuaso, pelo convencimento, ou seja, pela

conquista dos coraes e mentes. No d para fazer um trabalho desses s com um

currculo, com textos que os professores de Histria ou Portugus vo trabalhar.

SILVIO: - Maria Victria, em vrias oportunidades voc falou assim: formao para

democracia e formao para cidadania, a mesma coisa?

MARIA VICTRIA: - Olha, a mesma coisa. por isso que eu estou sempre me referindo

cidadania democrtica. E volto ao primeiro ponto que voc levantou no incio da nossa

conversa, como voc diz que cidadania virou uma palavra que usada a torto e a direito,

s vezes muito mais a torto do que a direito, quase como uma capa protetora para todo o

tipo de interveno do poder pblico, e inclusive nas suas vrias modalidades de cooptao e

manipulao. Eu costumo lembrar, na minha rea especfica da Educao, como, ao

analisarmos todos os programas de atuao da Secretaria de Educao do municpio de So

Paulo, por exemplo, todos, sem rigorosamente nenhuma exceo, todos tm como objetivo

precpuo uma formao para a cidadania. Ento, isso aparece com Paulo Maluf, com Erundina

, com Mrio Covas, com Celso Pitta, quer dizer, no mnimo estranho que pessoas com

atuaes polticas e com princpios ideolgicos to diferenciados usem a mesma expresso

para designar o objetivo principal, o objetivo essencial da sua gesto frente de uma

Secretaria de Educao.

A idia de cidadania certamente no ser a mesma para gestores to diferenciados, at

mesmo em relao ao que comumente se apresenta como uma idia democrtica mais ampla.

Ento eu me refiro especificamente cidadania democrtica, lembrando tambm que essa

idia de participao, de mobilizao do cidado, esteve sempre a servio dos regimes

autoritrios e mesmo totalitrios. Os regimes totalitrios foram amplamente mobilizadores, o

cidado era um cidado total, quer dizer que nascia e morria nas mos do Estado. Mussolini

dizia: Tomo o indivduo ao nascer e s o largo na morte. O Estado controlava toda a

atividade e toda a participao do cidado, que era extremamente mobilizado com eatas,

atravs dos smbolos mais variados, desde cnticos a roupas, a bandeiras, a participao

com eventos de massa etc. Tanto o regime nazista, quanto o regime fascista, nas suas

vrias encarnaes, foram extremamente mobilizadores dessa participao de um tipo de

cidado.

SILVIO:- Mas ento, qual a diferena?

MARIA VICTRIA: - Ento, a cidadania democrtica outra. A cidadania democrtica, e eu

insisto nisso, aquela que realmente se apoia nos pilares da democracia que so a liberdade

e a igualdade. Eu diria at mais, a liberdade, a igualdade e a solidariedade, para repetir o

mote da Revoluo sa. Essa liberdade que recupera todo o processo de garantia dos

direitos individuais e das liberdades pblicas, a igualdade no sentido do reconhecimento da

igualdade intrnseca de todos os seres humanos em relao aos direitos fundamentais para

um vida digna e a solidariedade no sentido de que a sociedade esse slido que deve estar

interligado por laos de apoio, de convivncia etc. Isso descartando de cara as lideranas

autoritrias, carismticas, os mais variados tipos de cezarismos que levam uma

participao, mas uma participao controlada, sem liberdade etc.

SILVIO: - Bom, ento ns estamos dialogando com as bandeiras da Revoluo sa?

No avanamos?

MARIA VICTRIA: - No avanamos. Porque a Revoluo sa no chegou aqui at

hoje, no ? Ns ainda estamos tributrios longnquos dos ideais da Revoluo sa, que

permanecem extremamente atuais.

SILVIO: - Ns temos um problema, que a questo da desinformao. Muito do que se faz,

vamos dizer assim, como apropriao privada dos bens pblicos, do espao pblico, se faz

porque os indivduos esto desinformados e no tm canais para se manifestar. Eu queria

perguntar para voc: todo indivduo j um cidado, ou ele se torna um cidado? Hannah

Arendt fala alguma coisa assim, que o indivduo s se torna um cidado quando ele participa e

atua no espao pblico. O Chico de Oliveira j diz que no tem mais isso, porque a televiso,

o pblico, entrou dentro do privado. Como para voc essa questo? A formao para a

cidadania tem pr-condies? O indivduo tem que adquirir alguma capacidade para se

transformar em cidado ou no?

MARIA VICTRIA: - Bom, ento vamos fazer uma distino entre cidadania ativa e cidadania

iva. Todos so cidados ivos porque todos, numa determinada sociedade, esto

sujeitos interveno e sano de uma ordem jurdica. Todos so cidados ivos

garantidos por uma determinada constituio que atribui deveres e direitos. Todos so

cidados ivos a partir da idade civil de responsabilidade. Eles s se tornaro cidados

ativos quando efetivamente assumirem uma responsabilidade em relao a essa participao nas esferas de poder, tanto para participar de processos decisrios, como para se organizar

na reivindicao de direitos sociais, econmicos, culturais. Ento, o indivduo realmente

constri essa sua condio, ele se torna um cidado ativo, e essa cidadania est ligada

tambm a uma pr-condio, que a da responsabilidade civil.

Por exemplo, eu costumo fazer uma diferena entre direitos humanos e direitos de cidadania,

no sentido de que direitos humanos abrange todos os seres humanos sem nenhuma distino.

As crianas tm direitos humanos, os deficientes mentais tm direitos humanos, aqueles que

no so amplamente cidados pela constituio, como os ndios, os apenados, todos eles

continuam tendo direitos humanos fundamentais, mas no tm direitos de cidado.

essa responsabilidade civil que vai garantir os direitos do cidado. Ento, aquele que no

eleitor, no um cidado a parte inteira, aquele que no tem o direito de ir e vir, que est

apenado, que est preso, ele no tem tambm a completude de seus direitos de cidado, o

mesmo caso do doente mental, que irresponsvel etc. Mas todos tero sempre o amparo

dos direitos humanos fundamentais. Eu acho graa quando se fala; a cidadania das

crianas...Eu entendo que seja uma palavra mobilizadora para chamar a ateno para os

direitos das crianas, mas no se pode falar que esta criana seja um cidado, no sentido

dessa responsabilidade civil. Ento essa palavra uma palavra-chave como pr-condio

para a cidadania, assumir responsabilidade. De certa maneira, de uma maneira empolada,

ns poderamos dizer que a cidadania ativa assumir essa responsabilidade para se tornar um

sujeito histrico, um sujeito responsvel pela sua histria.

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