Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte d5153
1935
Setenta anos depois
Isaura Amlia Rosado Maia
e Lalio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
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de Produo
1935,
A Liberdade, ainda que por um dia...
Cludio Galvo
Muito j se escreveu sobre os acontecimentos
de 1935 em Natal e at mesmo sobre a indita
experincia da edio nica
de um jornal, A Liberdade, que seria o porta-voz
da insurreio que se considerava
vitoriosa. Este fato, incomum na histria
do jornalismo brasileiro, minha matria
de estudo e discusso neste seminrio.
Honrado
pelo convite de participar do evento, proponho
uma exposio didtica, cronolgica,
itindo a possibilidade de recorrer a velhos
relatos mas, quem sabe, contribuindo de alguma
forma para o melhor conhecimento do fato. Este
, preliminarmente, o meu propsito.
Natal,
novembro de 1935
A nica novidade a alterar a vida pacata
da pequena cidade era a formatura da turma de
concluintes do curso de contabilidade do Colgio
Santo Antnio. O Teatro Carlos Gomes estava
lotado pelas elegantes famlias dos concluintes,
estando presentes o governador Rafael Fernandes
e demais autoridades civis, militares e eclesisticas.
Mal comeara a solenidade, era cerca de
19h30hs do domingo, dia 23, quando comearam
a ser ouvidos repetidos tiros de armas automticas.
Logo circulou a notcia de que o quartel
do 21 Batalho de Caadores
havia se rebelado. A continuao
do tiroteio levou os responsveis pelo
evento a interromper e encerrar a solenidade por
motivo de segurana.
O
que acontecia
Eclodia um movimento envolvendo militares daquela
corporao (localizada onde hoje
est o Colgio Winston Churchill)
e membros do partido comunista que, apoiados por
grupos insatisfeitos locais, tencionavam derrubar
as autoridades constitudas e implantar
um governo comunista no Estado como em todo o
Brasil. Naquela noite, um grupo de cabos e sargentos
do 21o Batalho de Caadores, vinculados
ao Partido Comunista do Brasil, prendeu o oficial
de dia daquela unidade e se apoderou das armas
e munies.
A
junta de revoltosos que formava o “Governo
Popular Revolucionrio” considerou
destitudo o Governo do Estado, apossou-se
da “Vila Cincinato”, residncia
oficial do governador (prdio ainda existente
na Praa Pedro Velho), declarando-o destitudo
do cargo. Dissolveu a Assemblia Estadual
Constituinte, anulando o mandato dos seus deputados.
Seguiu-se uma fase de desordens e escaramuas.
Os principais pontos de resistncia –
a Casa da Deteno, o Esquadro
de Cavalaria e a Escola de Aprendizes Marinheiros
de Natal – foram dominados. O quartel da
Polcia Militar, depois de muita obstinao
e sob intenso tiroteio, acabou por cair nas mos
dos rebeldes.
Comunicao
com o povo
Certos da vitria do movimento em todo
o territrio nacional, decidiram os rebeldes
institurem um meio de comunicao
com o povo de Natal, que se responsabilizasse
por noticiar o andamento do processo revolucionrio.
Decidiu-se pela publicao de um
jornal, intitulado de A Liberdade e que seria
o rgo oficial do governo revolucionrio.
Para a sua publicao, tinham
disposio material e equipamentos
da Imprensa Estadual. Funcionrios daquela
repartio foram intimados a comparecerem
sede do jornal A Repblica (esquina
da Rua Juvino Barreto com Avenida Cmara
Cascudo) na noite de 26 de novembro para aquele
objetivo. Aos funcionrios Gasto
Correia e Othoniel Menezes – este ltimo
exercendo a funo de secretrio
da Imprensa Oficial do Estado – coube preparar
a edio. H uma informao
de que os textos j teriam sido redigidos
pelo comando revoltoso, cabendo aos dois apenas
a diagramao e preparo da edio.
Aqueles textos, entretanto, revelam um teor erudito
que no era de se esperar do pessoal que
liderava o movimento; mais provvel
que tenham sido redigidos pelo prprio
pessoal da A Repblica.
Alguns
editoriais revelam, sem dvida, o nvel
intelectual de seus annimos redatores;
isto incriminaria mais tarde o poeta Othoniel
Menezes, conhecido pela sua erudio.
Nesta ocasio, vale a pena lembrar o lance
tragicmico do anncio do Sal de
Fructa Eno. Preparados os editoriais, faltava
completar um espao e no havia
mais matria a inserir. Othoniel lembrou-se
de incluir qualquer coisa, como um anncio,
daqueles que j eram publicados no jornal
A Repblica. Cabia perfeitamente no local
um clich do medicamento Sal de Fructa Eno!
Assim, estava completo o espao e fechado
o jornal. Tratando-se aquela marca de um produto
fabricado por um laboratrio americano,
o aparecimento daquele anncio num jornal
como aquele era um fato pelo menos inslito.
Sabe-se
que tal fato causou muito transtorno ao representante
local do fabricante do produto, que dificilmente
poderia explicar como um anncio daquele
produto apareceu ali.
A
Liberdade no liberada
A Liberdade, ano I, n. 1, estava pronta para ser
impressa e distribuda na manh
seguinte, dia 27. Tinha quatro pginas
e formato igual ao de A Repblica, o jornal
oficial do Estado. Na noite anterior, entretanto,
notcias j davam conta do fracasso
do movimento em outros pontos do pas.
Diante das ameaas de represso
e da possibilidade de o 29o Batalho de
Caadores, sediado na Paraba, estar
em marcha na direo de Natal, o
comando rebelde resolveu dar por encerrada a revolta.
O jornal no chegou a circular e poucos
exemplares atingiram o alcance pblico.
E
depois...
Natal a nica cidade do Brasil
a ter, embora por quatro dias, apenas, um governo
comunista. O que restou da edio
de A Liberdade, quase toda, por sinal, foi apreendida
e destruda.
A
revanche comeou logo no dia seguinte,
ao ser restaurado o Governo do Estado. Na sesso
Atos do Governo, publicados por A Repblica,
rgo oficial do Estado, edio
de 29 de novembro, encontra-se:
ATO
n 174, de 28 de novembro de 1935
O
Governador do Rio Grande do Norte resolve dispensar
os funcionrios em comisso Othoniel
Menezes, Gasto Correia da Costa e Joo
de Deus Costa, secretrio e reprteres
revisores da Imprensa Oficial. Rafael Fernandes
Gurjo, governador. Aldo Fernandes Raposo
de Melo, secretrio geral do Estado.
Como
se pode verificar, o ato est datado de
1928, o primeiro dia til depois da interrupo
dos trabalhos do governo causada pela “intentona
comunista”. Othoniel, secretrio
da Imprensa Oficial e seus dois colegas reprteres
revisores foram, assim, os primeiros a serem punidos,
antes mesmo de qualquer inqurito e julgamento
pela justia. A caa s bruxas,
entretanto, estava apenas comeando...
As
desventuras de um poeta
Foragido no Recife, Othoniel foi preso, transferido
para Natal e detido na 1a Delegacia da Ribeira,
onde aguardou julgamento. Sua priso preventiva
foi decretada quase um ano aps a priso.
Dois anos depois comearam a ser julgados
os processos. Othoniel no foi mandado
para a Ilha Grande por conta da amizade e interferncia
de alguns poucos amigos, dentre eles o tambm
poeta, Esmeraldo Siqueira, que era irmo
de Oscar Siqueira, chefe de Polcia do
governo Rafael Fernandes. L poderia ter
encontrado Graciliano Ramos e outros destacados
nomes da intelectualidade brasileira.
O
julgamento de Othoniel somente se verificou a
9 de agosto de 1938, em sesso do Tribunal
de Segurana Nacional. Enquadrado em uma
srie de artigos de numerosas leis, foi
condenado pena de 3 anos de recluso.
Entretanto, mais da metade do tempo de condenao
j havia se ado. Apelando da deciso,
foi absolvido a 29 de setembro daquele ano, informa
Joo Medeiros Filho no livro, “82
horas de subverso”. Teria o poeta
Othoniel Menezes alguma vinculao
ideolgica ou pelo menos intelectual com
os mentores da chamada “Intentona Comunista
de 1935”? Na verdade, os seus provveis
artigos em A Liberdade no parecem ter
sido feitos sobre presso.
Em
comentrio posterior, o advogado e escritor
Joo Maria Furtado assim se pronunciou
em seu livro Vertentes: “Gasto Correia
e Othoniel Menezes nada tinham de formao
marxista: eram sonhadores, fora da realidade,
com dias melhores para o Brasil. Othoniel Menezes
foi realmente, nesse episdio, um “poeta”
no significado popular do termo, um sonhador”.
Finalmente...
Grande foi a lista dos implicados e condenados
nos processos resultantes de 1935. Aqui so
referidas apenas as pessoas ligadas ao episdio
do jornal A Liberdade. A razo do enfoque
acentuado no poeta Othoniel Menezes foi, sem dvida,
a posio que ocupava na intelectualidade
potiguar e por ter sido o maior prejudicado. Foragido,
preso, condenado e depois absolvido, desempregado,
viveu com sua famlia (a esposa Maria,
o sogro Hermilo Ferreira e os filhos Washington,
Terezinha, Netinho e Lalio) momentos de
cruel dificuldade.
No
terminariam a suas adversidades. A provinciana
Natal dos fins dos anos 1930 no perdoaria
quem se envolvesse em semelhantes problemas. Alguns
participantes da chamada “Intentona Comunista”
praticaram publicamente atos que o movimento certamente
condenaria. Na tica local, eram todos
“farinha do mesmo saco”. Tachado de
comunista e visto com reservas, ou a enfrentar
dificuldades e, principalmente, discriminaes.
Assim aconteceu quando da criao
da Academia Norte-rio-grandense de Letras em maio
de 1937. Quem iria convidar para integrar uma
instituio elitista um poeta preso
como comunista?
A
partir daqueles tempos, Othoniel no conseguiu
outro emprego duradouro e condizente com suas
qualidades intelectuais, conseguindo, quase ao
final da vida, um mero emprego de Inspetor do
Instituto Nacional do Sal, obtido por concurso
pblico. Este estado de coisas persistiu
e contribuiu para a sua deciso de mudar,
exilando-se no Rio de Janeiro, em julho em 1962,
l falecendo sem voltar a Natal.
Cad
A Liberdade?
Poucas pessoas tiveram o a um exemplar de
A Liberdade Algumas, decerto, preferiram livrar-se
do jornal e no se comprometerem. O escritor
Joo Maria Furtado informou ao autor possuir
um deles, ainda no localizado pelos seus
familiares.
O
exemplar que serviu de fonte para este estudo
pertence Sesso de Obras Raras
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Um microfilme
do original foi adquirido no local pelo pesquisador
Vingt-Un Rosado e emprestado ao autor nos anos
1970.
Agradecendo
a ateno, fico na expectativa de
ter podido esclarecer alguma dvida ou,
at mesmo, despertado outras para futuro
esclarecimento.
Cludio
Galvo
Professor, musiclogo e
pesquisador
^
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