Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte d5153
Praxedes, um operrio no
poder
Praxedes:
Um Operrio no poder
A Insurreio de
1935 vista por dentro
Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985
Nosso
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de Produo
12.
“Fomos trados...”
A
derrota das tropas rebeldes na Serra do Doutor
seria decisiva para o fim da Insurreio,
na medida em que deixava aberto o caminho para
o avano das tropas legalistas pelo interior
do Estado, ao mesmo tempo que confinava o movimento
aos limites territoriais da cidade de Natal. Naquela
altura dos acontecimentos, os rebeldes no
sabiam que tambm em Recife havia um movimento
insurrecional e lutavam sozinhos para manter a
cidade de Natal sob controle. Com a notcia
da derrota das colunas no interior, o nimo
dos rebeldes comeava a se esgotar.
Como
se no bastasse essa pssima notcia,
os lderes da Insurreio
enfrentavam, ainda, a forte onda de boatos que
os integralistas se encarregavam de derramar sobre
a cidade, dando conta de que tropas legalistas
estavam a caminho de Natal. Tudo isso abatia o
moral dos insurretos e contribua para
provocar as primeiras fugas e deseres.
“Na madrugada do dia 26 os boatos corriam
soltos dizendo que o 22 BC, sediado em Joo
Pessoa, j estava a caminho de Natal. Tudo
isso era coisa dos integralistas que, se tivessem
armados, teriam nos enfrentado” –
conta Praxedes.
nesse clima que, s onze da noite do dia
26, chega efetivamente uma notcia verdadeira
e desanimadora. “Ns estvamos
todos no Palcio quando chega um emissrio
de Quintino com um telegrama que havia sido enviado
pelo comandante das foras legalistas do
Recife. O telegrama dizia o seguinte: ‘A
fim de no derramar precioso sangue nossos
irmos, deponham armas. J consolidamos
nossas posies em Recife. Amotinados
foram presos. Estamos vitoriosos’. O Joo
Lopes, ‘Santa’, achou que ns
deveramos reagir, utilizando-se dos prisioneiros
para romper o cerco de Dinarte Mariz e formar
colunas de guerrilheiros pelo interior. Uns dez
minutos depois da sada do estafeta, chega
ao palcio o secretrio do organizao
do partido, o Jos Costa, que estava controlando
nossas foras no cais. Ele disse que haviam
chegado trs caminhes no porto,
com soldados armados, trazendo os prisioneiros
para serem embarcados nas corvetas mexicanas.
O Costa disse que tentou impedir o embarque, mas
que os cabos reagiram e ameaaram atirar.
Costa revelou ter perguntado aos cabos quem havia
ordenado aquilo e que ouviu uma resposta seca:
‘No queira saber’. Sabe como
que essa coisa de militar. Falam
logo grosso e pronto. Ele, ento, decidiu
imediatamente vir nos comunicar o que estava ocorrendo”
– relembra Praxedes.
“Quando
recebemos essa informao”
– continua Praxedes – “decidimos
ir at o quartel do 21 BC ver o que
estava acontecendo. Quando chego no quartel encontro
o Quintino em p, com uma metralhadora
no ombro, quase dormindo. Estvamos todos
exaustos. Ningum dormiu praticamente nada
durante todos esses dias e o Quintino controlou
a situao no quartel praticamente
sozinho, o tempo todo. Quando o vi, fui logo perguntando:
‘Quintino, o que est acontecendo?’
ele me respondeu: ‘ Voc recebeu o
telegrama?’ ‘Recebi, mas o que
que h?’, retruco. Ento ele
me conta: ‘Giocondo fugiu do hospital, chegou
a todo nervoso. Foi l, conversou
com os presos e disse que ns precisvamos
tomar uma medida para lhes garantir a vida porque
eles poderiam ser assassinados. Ele disse que
havia prometido aos presos que nada lhes aconteceria
e que, ento, havia assumido o comando
e libertado os prisioneiros’ ”.
“Isso
na verdade era uma grande bobagem” –
argumenta Praxedes. “No ava
pela cabea de ningum matar os
prisioneiros. Pelo contrrio. Eles eram
a nossa maior garantia. Ns queramos
eles vivos exatamente para nos ajudar na retirada.
J havamos combinado isso muito
antes. Estava tudo acertado. Os prisioneiros seriam
nossa principal arma para escapar do cerco. Quando
Quintino contou que Giocondo estava no alojamento
dos praas fui at l ver
o que estava acontecendo. Quando ele me viu, abaixou
a cabea e continuou mandando os soldados
se levantar. “Levanta seno vocs
vo morrer”, gritava, chutando as
camas. Os soldados estavam cansados da luta no
interior, mas mesmo assim obedeciam. Quando vi
aquilo pensei comigo mesmo: ‘Est
tudo perdido’. Decidi voltar ao palcio
porque no havia mais nada para fazer no
quartel. Giocondo e outros cabos j haviam
libertado todos os prisioneiros”.
“Quando
chego na Vila Cincinato no havia mais
ningum da Junta de Governo. Todos tinham
fugido. S o ‘Santa’ continuava
l, me esperando com alguns de nossos homens,
tudo gente do partido. Viro para ele e digo: ‘Santa,
est tudo consumado. O Giocondo soltou
os prisioneiros e os mandou para as corvetas mexicanas
e agora est evacuando o resto das tropas.
No h mais nada a fazer’.
Quando ouve isso, o ‘Santa’ pe
a mo na cabea, vira-se para o
pessoal que ainda estava no palcio e grita:
‘ Companheiros, fomos trados’.
Os outros membros do governo j haviam
fugido”.
A
libertao dos prisioneiros
descrita na denncia oferecida pelo Procurador
da Repblica no Rio Grande do Norte, Carlos
Gomes de Freitas, confirmando a participao,
entre outros, do cabo Giocondo Dias: “.
. . Todos estes (cabos) agiram contra as pretenses
do Comit Popular Revolucionrio
que pretendia ar pelas armas todos os prisioneiros
militares e civis, recolhidos ao Cassino dos Oficiais
e no Xadrez – conseguindo assim dar liberdade
aos prisioneiros que foram por eles levados para
bordo da esquadrilha de guerra mexicana, ento
fundeada no nosso parto, a recebidos carinhosamente
pelo respectivo comandante, capito de
corveta Hector Mexueiro. . . fora de
dvida que alm desses ltimos
militares a que nos referimos, outros h
que protestam contra a idia de fuzilamento
dos prisioneiros, e at auxiliaram a fuga
dos mesmos, como sejam os cabos Costa, Giocondo,
Joo Leite Gonalves, sargento Amaro
Pereira, Joo Batista e o prprio
Quintino Clementino de Barros, do Comit
Revolucionrio.”.
Constatada
a irreversibilidade do movimento, “Santa”
pede a Praxedes que volta mais uma vez ao quartel
para ver como estava a situao.
“E eu fui. Rapaz, cada uma. Eu nunca tive
medo de nada, mas dessa vez eu tive. Quando cheguei
nos fundos do quartel, que d para a rua
Baro do Rio Branco, vi tudo escuro. Pensei:
‘Bem, j vim at aqui, agora
vou em frente. Vou ar na frente do quartel’.
Fui andando, ei na do quartel e fiquei surpreso.
Estada tudo fechado, tudo escuro. Os portes
estavam fechados e no havia mais ningum
l dentro” – diz Praxedes.
“A,
eu e ‘Santa percebemos que no havia
mesmo mais nada a fazer. Era s fugir.
Antes tnhamos que resolver o problema
do dinheiro. Levar todo o dinheiro no
seria possvel por causa do volume das
caixas que iria atrapalhar nossos movimentos.
Pensei, ento, comigo mesmo, em incendiar
o palcio com dinheiro e tudo l
dentro. Mas achei melhor no fazer isso.
Poderia ser pior ainda. Iriam nos chamar de incendirios.
Achei, ento, que a melhor soluo
era distribuir o dinheiro entre o nosso pessoal.
Propus ao ‘Santa’ e ele concordou.
Colocamos os homens em forma, em fila por dois,
pegamos as caixas de dinheiros e fomos distribuindo
pro pessoal, sempre dizendo que aquele dinheiro
era do partido, que eles deveriam usar apenas
o indispensvel e guardar o resto porque
o partido poderia precisar do dinheiro. ‘No
perdemos nada. Vamos continuar. Vamos nos preparar
para o futuro’, ia dizendo para o pessoal
e distribuindo os maos de dinheiro. Quando
acabou a distribuio, peguei uma
parte e o ‘Santa’ ficou com outra.
Eram mais ou menos 4 horas da manh do
dia 27. Nos despedimos e fomos cada um para um
canto. Eu j sabia para onde ia. Para a
casa da minha famlia l na Pajuara.
O ‘Santa’ foi pra outro lado. Nunca
mais ouvi falar dele. Uma pessoa me informou mais
tarde que ele conseguiu fugir num barco de pesca.”
“O Giocondo, depois de tudo acabado, fugiu,
se escondendo na fazenda de um poltico
simptico ao movimento. Mais tarde, ele
brigou com seu protetor, levou umas facadas e
acabou sendo preso. Dizem que a briga aconteceu
porque ele estava se engraando com a mulher
do sujeito” – conta Praxedes. O juiz
de direito de Baixa Verde, na poca, Joo
Maria Furtado, confirma essa histria em
seu livro de memrias, embora sem precisar
os motivos da briga: “. . . Paulo Teixeira
que levou um dos principais elementos militares
revoltosos para uma das suas fazendas em Lages,
o cabo Giocondo, depois militante ativo do Partido
Comunista Brasileiro. L ficou ele ao abrigo
da priso durante mais de um ano. Posteriormente,
porm, se desavindo com o proprietrio,
depois de uma tentativa de morte em que o protegido
foi ferido a punhal, foi entregue polcia”.
Eu
nunca encontrei com ningum. S
com o Giocondo em 1937 e com o cabo Lacerda, que
participou da insurreio e era
meu cliente na sapataria em Salvador. J
em 1947, reencontrei com o Agostinho, um camarada
que o partido mandou para Natal recolher o dinheiro
e que acabou sendo preso pela polcia de
Pernambuco” – conclui Praxedes.
A histria
do dinheiro expropriado pelos rebeldes foi contada
atravs de diferentes verses. A
que mais se aproxima da realidade a de
Joo Caf Filho, no seu livro de
memrias ‘Do Sindicato ao Catete’:
“. . . nem todos puderam levar as importncias
partilhadas. Por precauo, talvez,
em face da perseguio que sabiam
iminente e inevitvel, preferiram deix-las
em poder de amigos e parentes. Posteriormente,
algumas pessoas ricas de Natal eram apontadas
como beneficirias daquele dinheiro”
.
Segundo
o relato de Praxedes, no verdade
que houve distribuio aleatria
do dinheiro expropriado. Ele garante que o dinheiro
foi distribudo apenas entre os participantes
diretos do movimento, todos militantes do partido,
e que parte desse dinheiro acabou sendo recuperada
pelo prprio partido. “Em maio de
1938 fui procurado no lugar em que estava escondido
por um camarada do partido, enviado pela direo
de Recife. Era um sujeito que tinha o apelido
de ‘Gaguinho’. Ele me perguntou pelo
e eu disse que havamos distribudo
entre o nosso pessoal. Mandei ele procurar a Virgnia,
minha mulher, que ela poderia lhe dar uma parte
do dinheiro e lhe dizer com quem havia mais. Mais
tarde, o Comit Central me confirmou que
o ‘Gaguinho’ trouxe o dinheiro que
estava com a minha mulher, com a mulher do motorista
Epifnio Guilhermino e com outras pessoas.
Eu disse ao pessoal que sabia de outros nomes
de pessoas que haviam ficado com o dinheiro e
eles mandaram a Natal um sujeito chamado Agostinho,
para recolher esse restante. O Agostinho, no entanto,
no teve sorte, pois foi preso logo que
chegou em Natal” – conta Praxedes.
Na
verdade, apenas uma pequena parte do dinheiro
recolhido pelos rebeldes foi efetivamente recuperada
pelas autoridades. O restante, ou foi recuperado
pelo partido, ou ficou em poder dos policiais
encarregados da represso depois da Insurreio.
Segundo o relatrio do delegado auxiliar
de Natal, Enoch Garcia, datado de seis de agosto
de 1936, foram recuperados para os cofres pblicos
cerca de 886 contos de ris4. Outros dados
revelam que, alm desses, foram ainda recuperados
36 contos de ris, perfazendo um total
global de 922 cotos de ris, bem abaixo
dos 3.220 contos de ris, que oficialmente,
ite-se tenham sido expropriados pelos rebeldes5.
Segundo
relato do chefe de polcia de Natal, Joo
Medeiros, essa discrepncia natural:
“Estranha-se que de to avultada
quantia roubada, a polcia tenha apreendido
menos da tera parte. No
de estranhar muito, porm, se se atentar
para o grande nmero de rebeldes foragidos,
entre eles algumas figuras de proa – Rangel,
Praxedes, etc., todos conduzindo dinheiro. Depois
sonham alguns, da priso, com o tesouro
escondido. H tambm, que sabe,
os que o povo, na sua ironia atroz, batizou de
“achadores de dinheiro. . .” 6.
Na
opinio de Joo Maria Furtado,
poca Juiz de Direito da Comarca de Baixa
Verde, a identificao desses “achadores
de dinheiro” obvia: “Ora,
entre esses ‘achadores’ no
resta dvida que estavam muitos dos encarregados
da represso e perseguio
aos revoltosos. . . Apontaram-se, ento,
muitos policiais e alguns mais destacados elementos,
poucos, verdade, da Polcia Militar
que, sem ganharem na loteria, logo depois, construram
sobrados”7. Tambm o historiador
Hlio Silva d verso semelhante
ao destino do dinheiro: “Terminada a revolta,
a polcia procurou recuperar esse dinheiro.
Invadiu casas de populares, obrigando os familiares
e entregar o que os cofres ausentes tinham escondido.
Consta que vieram trs policiais de Recife,
Siqueira, Cisneiros e Alpio e arrecadaram,
para si mesmos, o que puderam recolher. A derrama
de dinheiro assinalou cresceu assombrosamente”8.
Praxedes
confirma essas verses em seu depoimento:
“O dinheiro serviu para corromper a polcia.
Teve muita gente que escapou da cadeia, dando
dinheiro para os policiais. Teve at um
caso famoso de uma mulher que foi procurada pela
polcia para entregar o dinheiro que o
filho dela havia escondido. A mulher no
sabia de nada e os policiais insistindo com ela.
Como no conseguiram nada, ameaaram
prend-la. S no o fizeram
porque ela lhes entregou um porquinho que criava”.
__________
1.
MEDEIROS, Joo, obra citada, pgs.
134/5.
2. FURTADO, Joo Maria, obra citada, pgs.
141/2.
3.
CAF FILHO, Joo, obra citada, pg.
89.
4. in MEDEIROS, Joo, obra citada, pg.
103.
5.
MEDEIROS, Joo, Meu Depoimento, Natal,
1937, pg. 102.
6. Idem, idem, pg. 103.
7. FURTADO, Joo Maria, obra citada, pg.
130.
8. SILVA, Hlio, obra citada, pg.
282.
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