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Tecido Social Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN N. 016 – 15/12/03 t2f5k

ANISTIADOS POLTICOS

A trajetria da luta pela reparao simblica dos danos morais sofridos pelos cidados torturados durante a ditadura militar

Depois de muitos anos de ditadura militar, comeada em 1964, com a abertura poltica que aconteceu no Governo Figueiredo, em 28 de agosto de 1979 foi editada a Lei de Anista Poltica. Esta voltava a dar direitos aos cidados que tinham sido perseguidos pela ditadura militar, mas no era muito ampla.

A Constituio de 1988, no artigo XIII das Disposies Constitucionais Transitrias, determinou que o Executivo fornecesse uma reparao financeira aos cidados brasileiros torturados e s famlias do que foram mortos pelo regime militar.

Esta lei no foi feita pelo Governo de Sarney nem pelos seguintes, mas no ltimo ano do Governo de Fernando Henrique Cardoso o Executivo baixou uma medida provisria, n. 2151 de 24/03/2001, que dava abertura para que fosse revista a questo da reparao financeira aos perseguidos polticos da ditadura. A medida foi reeditada vrias vezes, porque no tinha sido transformada em lei, at que em 13 de novembro de 2003 se transformou na Lei n. 2559. Esta ltima mais abrangente do que as medidas provisrias, pois insere como beneficiado qualquer cidado brasileiro ou estrangeiro que residisse no Brasil de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988 e que sofreu, neste perodo, alguma perseguio por razes polticas.

"Ns sabemos que esta lei, por mais abrangente que seja, jamais vai resgatar o sofrimento, a humilhao que estes cidados viveram", afirma Oswaldo Monte Filho, advogado da Associao Norte-Riograndense de Anistiados Polticos. " uma lei simblica", continua, "porque os transtornos gerados nas vidas e as famlias de quem sofreu perseguio nenhum dinheiro nunca vai compensar. As marcas que a tortura deixa no corpo e, sobretudo, na alma no se apagam. Esta lei apenas o resgate moral destas pessoas e da sua histria, que a histria de muitos cidados brasileiros".

Esta Lei determina que vo poder se benericiar desta reparao aqueles cidados que sofreram perseguio de carter exclusivamente POLTICO. Cada petio ter que demonstrar que as motivaes da perseguio foram estritamente polticas: caso contrrio, o pedido no se enquadrar na Lei por ser contrrio a seu esprito.

Atravs da Lei foi criada uma Comisso, presidida por Marcelo Nava Mello, e trs Cmaras: a primeira, para as peties de cidados civis; a segunda, para as de funcionrios pblicos de autarquias, economias mixtas, etc.; a terceira, para as de militares, ou seja, todas as pessoas que fizeram parte das Foras Armadas e das polcias dos Estados na poca da ditadura e sofreram perseguio.

A Lei da duas opes ao anistiado. A primeira uma reparao econmica de prestao nica por cada ano de dano financeiro por perseguio de ordem exclusivamente poltica: se enquadram nesta opo todos os casos em que h dificuldade em se provar o vnculo empregatcio. Por cada ano de dano sofrido, o anistiado tem direito a 30 salrios mnimos, com limite em 100 mil reais. O objetivo deste primeiro tipo de reparao fornecer indenizao a todas aquelas pessoas que sofreram gravssimos prejuzos financeiros mas no tm como provar a relao empregatcia comprometida pela persguio poltica. No Rio Grande do Norte h vrios casos, um exemplo representativo o de Mery Medeiros. Ele era o segundo principal exponente das Ligas Camponesas, mas no tem nenhum documento que prove que trabalhava para as Ligas pois durante a represso tiveram que queimar todo o acervo da instituio para no fornecer provas de "subverso".

A segunda forma de reparao econmica por perseguio de carcter poltico consiste em uma prestao mensal permanente e continuada. Esta segunda opo dirigida quelas pessoas que podem provar um vnculo empregatcio: funcionrios de empresas pblicas ou de economia mixta, de bancos, de empresas particulares, etc., que foram obrigados a fugir, demitidos ou de qualquer maneira compelidos a deixar a instituio em que trabalhavam.

A Comisso recebe o pedido, este autuado, distribudo Cmara correspondente que o recebe com toda a documentao relativa ao processo e, por sua vez, o encaminha assessoria jurdica para analizar se est dentro dos parmetros exigidos pela Lei. Depois, o pedido a para um relator que analiza toda a documentao, faz a fundamentao do seu voto e coloca o caso para a apreciao na Cmara. Esta ltima vota (normalmente, dentro da fundamentao do relator, mas pode pedir vistas para modific-la) e, aps a votao, o caso encaminhado para o Ministro da Justia para que seja feita uma Portaria anistiando o cidado requerinte. Quando a Portaria publicada no Dirio Oficial, o Ministrio da Justia a encaminha para o Ministrio do Planejamento, no setor de Pagamento, que coloca o dinheiro diretamente na conta do anistiado, sem nenhuma intermediao. Ao mesmo tempo, o requerinte recebe um Diploma de Anistiado Poltico.

A Associao Norte-Riograndense de Anistiados Polticos, presidida por Mery Medeiros, j encaminhou para Braslia 45 pedidos de anista. Destes, foram deferidos at agora os de Mery Medeiros (j na fase de publicao da Portaria Ministerial), de Bento Ventura de Moura e de Antnio Silvrio da Silva.

H algo que nunca foi divulgado e que consideramos importante fazer conhecer. Em outubro de 1952 (portanto, durante o perodo que a Lei abarca), na Base Area de Natal, em Parnamirim, se verificaram umas gravssimas arbitrariedades por parte da Fora Area Brasileira: 29 cidados foram presos e brutalmente torturados por razes de carcter poltico (embora, formalmente, naquela poca o pas fosse uma democracia). Militares de alta patente da base cometeram brbaras atrocidades que nunca chegaram a ser conhecidas. O que pior que muitas das vtimas destas torturas ou seus parentes talvez nem saibam do direito que tm de solicitar reparao por danos morais.

"Ns entramos com pedido de anistia para trs destas 29 pessoas: Vulpiano Cavalcanti de Arajo, Hermnio Alves de Brito e Simplcio Teixeira Peixoto", afirma Oswaldo Monte. "O que importa o resgate moral destas pessoas". A Associao dos Anistiados, na sua assessoria jurdica, tem toda a documentao relativa a este episdio. Portanto, caso que estes cidados - caso estejam vivos ainda - ou parentes deles quieram obter reparao simblica pelos danos sofridos, saibam que tm este direito e podem procurar Associao, que possui toda a documentao pertinente ao pedido.

"Entre as torturas que estas 29 pessoas sofreram", conta Oswaldo Monte, "nos foram relatados choques eltricos nos tesculos e no nus, mergulho em tonis com leo quente, lmpadas quentes em cima da pessoa. Vulpiano Cavalcanti de Arajo, que era mdico, teve todos os dedos quebrados para que no pudesse mais fazer cirugias. A outro cidado, Tasso de Macedo Wanderley, furaram a cabea com um prego, martelando".

"Consideramos muito importante resgatar a memria e a dignidade destas pessoas, que sofreram as piores humilhaes s quais pode ser submetido um ser humano e quase ningum neste pas sabe que isso aconteceu", afirma o advogado da Associao dos Anistiados. "E, o que pior, muitos dos canalhas que torturaram a estes brasileiros chegaram a altos cargos nas Foras Armadas, sem receber nunca punio nenhuma pelas atrocidades cometidas. Por exemplo, o Tenente Cmara, que participou daquelas torturas, em 1964 era Coronel e estava em Pernambuco torturando novamente. Todas estas pessoas agiram com a proteo do Ministro da Aeronutica da poca e de toda a cpula militar. Quando fazemos as nossas peties, gostamos de citar os nomes destes canalhas que usavam farda".

"Acho que no Brasil deveria haver um movimento como o da Argentina, pelo processo aos autores de crimes de tortura durante o regime militar", continua Monte. "Os torturadores tm que ir no banco dos rus. Algum que bota ter no nus de um cidado para dar choques eltricos porque esta pessoa pensa de maneira diferente no pode ficar impune: a tortura um crime imprescritvel. No issvel, sob nenhum ponto de vista, que ao invs que pagar pelas atrocidades cometidas, muitos destes bandidos tenham chegado a altos postos dentro das Foras Armadas do Brasil".

Outro gravssimo episdio aconteceu em 1964, ano do golpe militar. O Governador do Estado na poca, Aluzio Alves (principal exponente, ainda hoje, da mais poderosa oligarquia do RN: a famlia Alves), foi o primeiro e nico Governador do Brasil a criar um Inqurito Policial Militar pouco depois do golpe de Estado: foram convidados dois delegados de Pernambuco para realizar um estudo sobre a "subverso no Rio Grande do Norte". O estudo, que ou a ser conhecido como Relatrio Veras, foi realizado A PEDIDO do Governador Aluzio Alves e incriminou 82 pessoas. Logo que o documento foi entregue ao Governador, este o ou ao Comando Militar. Foram abertos processos na Auditoria da Justia Militar em Pernambuco e muitos destes cidados foram presos e torturados. O principal responsvel por estas torturas o maior oligarca deste Estado, Aluzio Alves, totalmente impune e que continua influenciando a vida poltica do Rio Grande do Norte.

"Em breve, este episdio pouco conhecido vai vir tona", afirma Oswaldo Monte, "porque est sendo tramitado um Projeto de Lei Estadual para os anistiados que foram presos e sofreram torturas no Rio Grande do Norte (lei que j existe em outros Estados: Rio Grande do Sul, Paran, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Pernambuco e Cear). Quem foi preso e sofreu tortura neste Estado vai ter direito a um resarcimento financeiro, que vai de 3 mil a 30 mil reais. bom voltar a ressaltar que se trata de um resarcimento MORAL".

"Espero que o Legislativo tenha a sensibilidade de aprovar logo este Lei", continua o advogado. O Projeto de Lei foi de iniciativa da Deputada Estadual Mrcia Maia, que j sabia que ia ser vetado porque - por gerar despesa - no podia partir do Legislativo, mas foi uma ao poltica de valor simblico. O Projeto foi vetado pela Governadora, Vilma de Faria, mas com o compromisso de reeditar esta Lei para implant-la no Estado. "O Projeto ou pela Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (CODEM), dirigida por padre Fbio Santos, que realizou vrias sugestes que espero que sejam captadas tanto pelo Secretrio Estadual de Trabalho, Justia e Cidadania, Leonardo Arruda, quanto pela Governadora", diz Oswaldo Monte. "Espero que e do jeito que est depois de ar pela CODEM porque, se no for modificada, vai ser a melhor Lei Estadual sobre anistiados do Brasil". De fato, as dos outros Estados prevem que o resarcimento pelos danos morais tenha um prazo de entrada alm do qual o cidado perde o direito de solicitar a reparao, mas a que est sendo elaborada no Rio Grande do Norte determina que o resarcimento no tem prazo: enquanto houver pessoas com este direito, ele ser garantido. E para quem foi morto ou ficou com seqelas permanentes no fsico h a possibilidade de receber uma penso permanente (no primeiro caso, para os familiares), no limite do que ganha um Secretrio de Estado. "Se esta Lei ar, ser uma grande vitria para as pessoas que se preocupam com os Direitos Humanos no Rio Grande do Norte", afirma Monte. "S espero que o trmite seja breve, porque muitos dos cidados que sofreram os vexames do regime militar aqui na nossa terra, quando j no faleceram, esto em idade avanada ou com problemas de sade graves. A hora de resgatar a histria essa, depois vai ser tarde demais".

Antonino Condorelli

Veja tambm:
- ENTREVISTA-DENNCIA. Daniel Alves Pessoa, Advogado do Centro de Direitos Humanos e Memria Popular (CDHMP) e integrante do Coletivo de Direitos Humanos, Ecologia, Cultura e Cidadania (CDHEC). "O Poder Judicirio do RN corrupto, contrrio a todos os princpios democrticos e protetor de assassinos"
- Torturados na Base Area de Parnamirim em 1952: como procurar Justia
- AS LISTAS DA INFAMIA. Relao dos presos e torturados na antiga Base Area de Natal em outubro de 1952
- Relao dos indiciados em 1964 no relatrio "Subverso no Rio Grande do Norte", conhecido como Relatrio Veras, realizado a pedido do ento Governador Aluzio Alves
- lanado em Braslia o Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos

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