Emmanuel
Bezerra dos Santos
Militantes polticos assassinado pela
Ditadura Militar 2o6l5b
EMMANUEL BEZERRA: A TRAJETRIA
E O SENTIDO DE SUA LUTA
Manoel Duarte (MANU) (*)
Todos j haviam dado
entrada na documentao com o pedido de ingresso na Casa do Estudante
do Rio Grande do Norte. Cada um aguardava ar no teste de pobreza.
Uns alm de pobres ainda contavam com recomendao de scios mais
antigos ou pessoas influentes na poltica do Estado.
Era 1963, entre dezenas
de candidatos estava um jovem raqutico, cabelo encaracolado, rosto, j
quela altura, marcado por muitas espinhas.
Chamava a ateno dos
mais curiosos ver pendurado no pescoo daquele jovem um grosso rosrio
que um Agnus-Dei. Ambos representavam seu profundo sentimento de f e
de proteo tentaes do mundo.
Aparentemente tmido e
talvez estudando melhor o novo ambiente o jovem externava apenas um
sentimento recatado. Vindo de um lugar simples e pacato mais de convivncia
com homens corajosos que embrenhavam-se mar adentro para buscar o
sustento de suas famlias, ele certamente se perguntava: que tipo de
coragem e destemor tero que ter os homens que vivem nesse mundo
agitado?
Os seus padres
certamente estavam em conflito com essa nova realidade. Filho de me
devota e serva de Deus, vereadora pertencente, no seu municpio, ao
esquema dinartista, inclusive no perodo da ditadura, no lhe seria
nada fcil equacionar a sua acentuada religiosidade, os valores polticos
herdados e a vida profana e agitada que dominava o coletivo do casaro.
O seu talento,
entretanto, surpreendia desafiando as circunstancias. A sua convico
de quase coroinha comeou a ser testada e abalada com as amizades e
relacionamento que engendrou no interior da Casa do Estudante e no
Atheneu. O gosto pela leitura lhe aflorou com a intensidade e o sentido
de quem desbrava terras virgens buscando a fertilidade oculta em suas
entranhas.
O contato com a
literatura lhe permitia novas incurses no campo do conhecimento
humano. De inicio Jorge Amado, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Vincius
de Morais, Carlos Drumond, Jos Lins do Rego, Machado de Assis, entre
outros, constituram sua literatura predileta. Da foi um o para
Erich Fromm e Roger Garaudy que, no campo da psicanlise e da filosofia
forneciam os elementos tericos compreenso mais prxima da
sociedade que vivia.
Todavia, longe de
bastar-se com essa leitura, o jovem buscava a cada dia contato com novos
enfoques sobre o mundo que pretendia compreender. Essa sede de saber o
arrastou para a vida cultural da Casa do Estudante fazendo-o participar
dos concursos de prosa e veros promovidos pelo ento Grmio Ltero-Cultural
"Cmara Cascudo", e, posteriormente, manter seus primeiros
contatos com a filosofia marxista.
Concomitante ao seu
progresso intelectual salientava-se naquele jovem o interesse pela poltica.
A f religiosa que herdara de sua me foi aos poucos se transformando
em opo poltica e ideolgica. J no lhe bastava compreender o
mundo, era preciso intervir decididamente. A sua destacada participao
no movimento estudantil secundarista, dentro e fora da Casa do
Estudante, lhe credenciariam a disputar a presidncia desta.
Ele havia se temperado
nos embates de lutas estudantis com os verdugos da ditadura. Naquela poca,
1964 a 1966, os movimentos operrios haviam sido sufocados pelo regime
militar. Era no movimento estudantil que residia a resistncia do povo
brasileiro aos golpistas de planto.
Eleito, em 1967,
presidente da Casa do Estudante. sucedendo o tambm saudoso companheiro
Jos Rocha (Kerginaldo), o jovem estudante revelava cada dia, alm da
inteligncia, coragem e ousadia. Transformou a Casa num bastio de
resistncia e liberdade. Muitos foram os lideres estudantis que de l
saram e tantos outros que l iam buscar a base de sustentao de
seus projetos polticos, recrutando em seus filiados os quadros de que
precisavam para integrar os partidos ou movimentos clandestinos.
Antes mesmo de eleger-se
presidente o jovem praieiro j havia ingressado
na vida partidria. Naquela ocasio histrica
a maioria dos militantes estudantis j pertenciam
ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ele tambm
fazia parte dos quadros do partido. Outros entretanto,
se engajaram na Ao Popular (AP), organizao
poltica com razes na doutrina social da igreja.
O Partido Comunista do Brasil (PC do B) no tinha
qualquer expresso, ainda, no estado.
A ousadia do jovem
presidente inquietava at mesmo seus companheiros de partido e de
Diretoria da Casa do Estudante. ando sempre por crises peridicas a
Casa a exigir a tomada de decises que respondessem s necessidades de
alimentao e de alojamento para um universo crescente de associados.
Aquele jovem impetuoso no vacilou e mantendo contato com o gerente do
Banco S. Gurgel negociou o financiamento de 10 (dez) veculos que
constituram o prmio de um BINGO que seria promovido pela Casa do
Estudante. Muitos temeram e duvidaram da empreitada. Mas o jovem
presidente foi em frente e obteve grande xito, apesar de um incidente
ocorrido com um veculo do sorteio, substitudo por um novo. Foi com o
resultado desse BINGO que se conseguiu construir alguns novos
alojamentos e garantir por algum tempo melhores condies de higiene e
alimentao aos moradores da casa.
A luta travada por ele no
se restringia a istrao da Casa do Estudante. Em 1967, aprovado
no vestibular de sociologia, a sua participao no movimento
estudantil universitrio era, inegavelmente, da maior importncia. Ao
mesmo tempo que promoveu uma grande eata da Casa at o Gabinete do
ento prefeito, Agnelo Alves, visando presion-lo para liberar mais
verbas para a entidade que dirigia, no lhe faltava tempo para dar
apoio e ajudar o DCE na luta contra o acordo MEC-USAID que tinha como
objetivo divorciar a universidade dos interesses da Sociedade e
transform-la em mero laboratrio a servio dos grandes grupos
nacionais e estrangeiros.
Tambm, esteve
frente, juntamente com outras lideranas estudantis, do movimento em
defesa do aproveitamento dos excedentes de medicina, direitos e
odontologia da UFRN, e do protesto contra a morte do estudante Edson
Luiz, no Rio de Janeiro.
Em 1967 foi eleito
delegado ao Congresso da UNE, realizado em So Paulo.
Quando chegou a Presidncia
da Casa do Estudante j havia rompido com o PCB e ingressado no Partido
Comunista Revolucionrio (PCR). Partido de carter regional que
conseguiu atrair para os seus quadros vrios militantes do movimento
estudantil de Natal.
Foi nesse novo partido e
em face da priso por um ano, alm das perseguies que lhe foram
impostas pelo regime militar que o jovem lder foi pouco a pouco se
embrenhando na clandestinidade. A sua f religiosa havia se
transformado em crena poltico-ideolgica. Agora s o partido, o
seu programa e o projeto de construo da sociedade socialista lhe
interessava. E s a clandestinidade e a "verdade absoluta" da
filosofia e da prxis marxista-leninista eram capazes de anim-lo em vos
mais alto em busca da tomada do poder.
Homem sem vaidades
materiais, gestos simples e muita coragem pessoal. No caminho de sua
luta ou da luta de todos era assim Emmanuel Bezerra dos Santos.
Pretendeu aprender de tudo, da Aliana sa defesa pessoal. No
lhe constrangia por estar bem ou mal vestido ou calado. Via de regra
as roupas melhores que usava ou sapatos que calava no eram seus.
Nada disso lhe afetava. O sentimento de sua conscincia e a forma
religiosa como abraou a militncia poltica e a luta pelo socialismo
era suficiente para faze-lo ir em frente.
Mas Emmanuel Bezerra
sabia os riscos de vida que corria. Todos os militantes das organizaes
clandestinas de esquerda sabiam e sofriam revezes que tornava cada vez
mais difcil a sobrevivncia subterrnea.
Esse jovem, nascido em
Caiara do Norte tombou em nome da liberdade. Os seus equvocos no
devem ser invocados para justificar a omisso de muitos. Sua vida deve
servir de exemplo sem que se mistifique a sua luta e os seus ideais.
* Socilogo e presidente
do SINAI |