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O banquete de Macbeth

Augusto Boal

Ns queremos Paz, no a guerra! Paz, mas nunca a ividade! Por isso, fomos a Porto Alegre!

Mesmo que quisssemos a guerra, seria impossvel a guerra acabou - foi assassinada. Quem a matou foi um general. Collin Powells.

Semanas atrs, esse chefe supremo das foras armadas dos Estados Unidos, declarou que aquele pas no dever nunca mais se envolver em guerras suicidas como a do Vietn, quando meio milho soldados norte-americanos, armados at os dentes, tiveram que correr do exrcito vietnamita descalo e fazer fila nos telhados de sua embaixada, fugindo de helicpteros foi feio. De agora em diante, o mais poderoso pas de todos os tempos, maior potncia nuclear e diplomtica do mundo, maior potncia econmica e industrial que j existiu na face da terra - os Estados Unidos s se envolvero em uma guerra quando suas chances de vitria forem de 100%, as possibilidades de derrota zero absoluto e, mesmo assim, quando as vias de retirada - para situaes imprevistas e acidentes inesperados - forem mil vezes seguras.

Esta declarao representa o fim da guerra. Collin Powells matou a guerra e inventou a figura jurdica da Pena de Morte Internacional. Os Estados Unidos, que j eram a maior potncia em tudo que existe, tornaram-se o nico Juiz Universal, a quem cabe fazer justia. Qual? A sua!

Esse poder justiceiro no se aplica somente aos pases como o Brasil, cujas Foras pobremente Armadas so os prprios militares que o disseram diante do presidente da Repblica, meses atrs, no eu que, de armas, nada sei! o Brasil teve o seu insuficiente arsenal sucateado. O submarino atmico Irkutz afundou em servio nos mares do norte: um dos nossos submarinos convencionais afundou, meses atrs, ancorado no cais do porto - no em combate, mas na hora do recreio.

As foras que Powells comanda podem destruir qualquer outra fora neste mundo, onde quer que se esconda. No ameaa apenas exrcitos da Iugoslvia, Granada e Nicargua. As potncias mais sofisticadas esto igualmente no simblico corredor da morte de uma possvel execuo sumria: ningum forte bastante para adiar, se no por alguns dias, sua rendio incondicional.

Powells, soldado, decretou o fim da Guerra e o fim do Soldado! Em seu lugar, nomeou o Carrasco. Soldado aquele que luta correndo certo risco, por menor que seja. E o que o Carrasco seno um letrgico funcionrio de tranqila carreira, apoiado pela lei e pela religio que, confortavelmente, injeta a injeo letal, aperta o interruptor da cadeira eltrica, ou enlaa o pescoo do prisioneiro, que j lhe entregue com os pulsos algemados e a moral destruda? Powells aposentou o soldado e deu emprego ao Carrasco.

A declarao daquele militar foi feita pouco antes da ltima reunio dos Economistas Abstratos, na Sua. Para qu to mortfera ameaa? S podemos pensar que exista uma relao ntima e subterrnea: foi feita para assegurar que a vontade dos Senhores de Davos se cumpra! Quem so esses senhores?

Para entend-los, temos que recorrer ao filsofo Pitgoras, o homem que, primeiro, conseguiu esta proeza extraordinria do pensamento humano: dissociou o nmero da coisa numerada.

Antes dele, claro, comerciantes sabiam contar seus gros de feijo e sacos de arroz, potes de mel e espigas de trigo... desde que as mercadorias estivessem diante deles, visveis, como o baco diante da criana que aprende a contar com a ajuda de bolinhas coloridas deslizantes em um arame. Antes de Pitgoras, era necessrio que duas vacas e dois bois se apresentassem diante do comerciante para que ele pudesse concluir que aquelas bestas perfaziam um total de quatro animais. Se vacas e bois, cansados de esperar, resolvessem pastar no campo, as aritmticas dos comerciantes iriam falncia.

Veio Pitgoras e disse: - Faamos abstrao dos nmeros, pensemos nmeros em si mesmos, e para si. O filsofo separou os nmeros abstratos das concretas vacas e deu certo: operaes aritmticas podiam ser feitas mesmo na ausncia dos animais. Foi um extraordinrio avano para o ser humano... e para as vacas, que puderam pastar em paz.

Quando, em fins de janeiro, reuniu-se o Frum Social Mundial em Porto Alegre, discutindo os malefcios da globalizao selvagem, o que estariam fazendo os Senhores de Davos, naquele preciso momento? Estavam levando Pitgoras s ltimas conseqncias estavam reificando, coisificando os nmeros, dando-lhes vida autnoma, fisionomias prprias, tornando-os slidos, concretos e... fazendo abstrao dos seres humanos.

Os nmeros de Davos so nmeros insensveis vida humana; so nmero cegos que ignoram doentes sem hospitais, crianas sem escolas, cidades sem esgotos, multides esfomeadas: so nmeros que s conversam com outros nmeros e no nos olham na cara.

Os Senhores de Davos pensam no Lucro Abstrato e esquecem a fome concreta. Os clculos que fazem so corretos: o que incorreto, para eles, a existncia dos seres humanos, mero apndice desses nmeros.

Em Davos, os nmeros am a ser o sujeito da Histria: alquotas, juros, ndices Dow Jones e Nasdaq, dividendos para eles o mundo existe, no para ns... Para eles nada importam a sade e a educao, o bem estar e o lazer, porque estas so preocupaes humanitrias e no econmicas - no interessam Economia Abstrata de Davos.

Esta estrbica viso da Economia como abstrao opera tremenda diviso da Humanidade, que se parte em trs.

A Primeira Humanidade, privilegiada, a que controla o Deus-Mercado, senhora do mundo espcie de Paraso Terrestre, abundante em anjos sexuados e gozos materiais; a Segunda Humanidade o Purgatrio da Classe Mdia, a Humanidade daqueles que, a qualquer ttulo, esto relacionados com o Mercado e podem, bem ou mal, sobreviver. A Terceira Humanidade, a que vive no Inferno, a Humanidade Descartvel, intil, encontre-se ela nos extremos da frica ou no ventre do Estados Unidos, onde miserveis existem, quase todos negros e latinos.

No quero parodiar filsofos, no quero imitar Descartes, mas somos obrigados a dizer: Eu estou no mercado, logo existo. Ai de quem no puder pronunciar essa frase terrvel: ser condenado Terceira Humanidade, s profundezas do inferno globalizante e ser, com ela, descartado!

Um abaixo assinado corre veloz pela Internet, neste momento, que pede ao Papa a abolio imediata do Inferno. Diz a petio, com toda razo, que o Inferno Bblico um equvoco das Escrituras: no possvel que Deus, todo bondade, tenha criado esse miservel antro de vinganas, tenebroso calabouo de diablicas crueldades, obra que s poderia ter sido imaginada por ditadores latino-americanos ou africanos nunca obra de Deus, soberano da bondade, compreenso e ternura. Deus quer que sejamos bons porque bom ser bom, no porque seja quente o Inferno!

O abaixo assinado pede a revogao sumria do Estatuto do Inferno e sua extino imediata, porque o Inferno no pode ser reformado, melhorado num ou noutro aspecto mais escabroso ele todo ruim. No possvel refrescar e tornar amena a temperatura infernal ou anestesiar a dor das espetadelas tridentinas. O Inferno tem que ser desativado, destrudo por inteiro e para sempre. Delenda Est Inferno Bblico!

Nesse Inferno que queremos revogar, no entanto, com todo o enxofre que exala e fogo que vomita, com seus tridentes custicos e envenenados, tortura-se menos do que nos bolses de misria existentes neste mundo terrestre e provocados pela Economia Abstrata do Lucro Mximo, a grande Diaba Universal; bolses que existem em toda parte nas nossas falsas democracias, onde se tortura com instrumentos mais sofisticados do que espetos de churrasco: tortura-se com alicates do FMI.

Saibam os Senhores de Davos que a tortura continua existindo em nossos pases. Se menos espetacular do que os campos de concentrao nazistas, por no estar concentrada mas sim difusa, to dolorosa quanto s da Segunda Guerra e provocam a mesma dor.

No queiram, os Senhores de Davos, ser comparados ao Diabo por provocarem, na terra, os mesmos tormentos que provoca o Coisa Ruim em seus domnios subterrneos.

E, da mesma forma que se pede pela Internet a revogao do Inferno bblico, temos que forar, nas ruas, nos plpitos, nas ctedras e em todos os crculos, a revogao imediata do Inferno terrestre.

Para isso, no Brasil, necessrio eliminar com urgncia seus dois principais Tridentes Diablicos: o vampiresco vnculo escravatcio da Dvida Externa e a loucura de Dom Joo Terceiro, que presenteou seus amigos com as Capitanias Hereditrias - temos que fazer a Reforma Agrria.

No basta, pouco, mas um o: o primeiro corajoso o que inicia a longa caminhada.

No quero assustar ningum, mas tenho a certeza de que, no fim do encontro de Davos, o ltimo banquete dos Senhores da Economia Abstrata h de se transformar no Banquete de Macbeth.

Esse personagem shakespeareano queria o poder a qualquer preo, porque trs Feiticeiras lhe haviam dito que era um predestinado, como predestinados se julgam os Senhores de Davos: a qualquer preo, querem o Lucro Mximo, como Macbeth queria o Poder Total!

Para obter esse poder, Macbeth assassinou seus inimigos at extermin-los todos! Quando se pensou sem rivais, ofereceu aos restantes aliados um grande Banquete, e foi esse o clmax da tragdia: entre o aperitivo e o primeiro prato, comearam a aparecer os espectros dos que tinham sido por Macbeth assassinados; entre o primeiro e o segundo prato, mais espectros apareceram e, antes da sobremesa, dezenas de fantasmas espectrais ocupavam as cadeiras e bailavam em cima da longa mesa do letal banquete. Macbeth ficou louco e perdeu a guerra.

Pois sei que assim ser o Grande Banquete de Macbeth em Davos: antes da primeira garrafa de champanhe, comearo a aparecer os fantasmas das vtimas do Holocausto da Inanio Africana - da Eritria, Uganda, Congo, Rwanda! - daquela frica onde, ontem, nasceu o ser humano e, hoje, morre de fome.

Depois dos salgadinhos, viro os espectros dos mortos do Haiti, da Repblica Dominicana, do Bangladesh, os prias da ndia e do Paquisto, e todos bailaro esvoaantes em torno dos convivas assustados, danando a Valsa dos Nmeros Abstratos e da Fome Concreta.

Depois do trou normand, artifcio culinrio de origem romana que ajuda os comiles a comerem mais, abrindo insuspeitados espaos em seus estmagos, viro os espritos dos desaparecidos da guerra suja da Argentina, do Uruguai, do Chile e do Brasil, daqueles que morreram assassinados pelos golpes de estado organizados pela CIA - brao armado da mesma ideologia!

E viro os esquelticos espectros das nossas crianas de rua e os dos militantes de MST que foram mortos desarmados, quando tudo o que queriam era um pouco mais do que os sete palmos, que a terra que lhes coube neste imenso latifndio brasileiro!

Antes da sobremesa, subiro mesa do funesto banquete as vtimas de braos cortados de Sierra Leona e bailaro grotescamente os 30 milhes de cidados norte-americanos miserveis, todos portadores de aportes do Imprio!

O Banquete de Davos no vai acabar bem, como no podia ter bem acabado o Banquete de Macbeth!

Ns queremos a Paz, no a guerra! Paz, no ividade, que cmplice da guerra e da fome. Precisamente porque desejamos a Paz, ns nos reunimos em Porto Alegre para denunciar, para fazer lembrar e no permitir que se esquea, para que ningum diga: Eu no sabia!

Um dia, depois do Banquete de Macbeth em Davos, h de ser realizado o Julgamento do Nuremberg da Economia Abstrata, e bom que os Senhores de Davos que, com suas plumas de ouro, hoje, assinam sentenas de morte, no digam amanh o que disseram os nazistas diante do Tribunal que os condenou: - Eu no sabia. Havia Campos de Concentrao em meu pas? Ah, eu no sabia. Matavam judeus, comunistas, ciganos e homossexuais em cmaras de gs? Ah, eu no sabia mesmo. Eu no sabia nada!

Pois saibam enquanto tempo, Senhores de Davos, saibam que se morre mingua neste mundo globalizado que globaliza o lucro e no a felicidade, a dor e no o prazer; morre-se s centenas de milhares, no momento mesmo em que suas excelncias deliberam a melhor maneira de oferecer os maiores lucros ao menor nmero de milionrios, neste mundo infectado pelo vrus do Lucro Mximo.

Ns sabemos que os Senhores de Davos sabem, sabem tudo - proibidos pois, esto, de dizer: Eu no sabia...

preciso conter a metstase da globalizao. Para isso, fomos a Porto Alegre.

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