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Um mundo que j
no convence
Os
jovens que fizeram o FMI terminar mais cedo sua reunio de Praga
se opem globalizao neoliberal, a uma economia de lucro. No
sei se possvel falar num novo maio de 68. Mas penso que o
movimento massivo, e no moda ageira
Eric
Toussaint*,
entrevistado por Bernard Demonty
Le Soir: Voc
participou das reunies preparatrias das manifestaes de
Praga, alm de militar contra instituies contra o FMI e o
Banco Mundial. Quais so as reivindicaes dos manifestantes?
Eric Toussiant:
No h uma reivindicao nica. H geralmente alguns
grandes temas em torno dos quais se mobilizam os manifestantes.
Entre eles, figura uma hostilidade ao FMI e ao Banco Mundial. Mas
h diferenas -- alguns so favorveis a uma supresso pura e
simples destas duas instituies, outros pensam que preciso
reform-las. A anulao da dvida do Terceiro Mundo constitui
igualmente um motivo de mobilizao. Mas a tambm h diferenas
entre os manifestantes: alguns so a favor da anulao da dvida
dos pases mais pobres (frica subsaariana, Bolvia, Nicargua,
Vietn), outros querem estender esta abolio ao conjunto da dvida
externa pblica do Terceiro Mundo (ndia, Paquisto, Brasil,
Indonsia, Mxico inclusive)
Le Soir: Qual
o perfil dominante das pessoas que constituem o movimento?
Eric Toussiant:
A composio dominante uma gerao de jovens entre 18 e
27 anos. uma juventude que tem uma sensibilidade particular:
ela vive desde seu nascimento num mundo onde tudo est
venda. Estes jovens no conheceram o regime comunista, mas
sabem por seus pais que ele existiu e no trouxe boas solues.
Eles no so mais influenciados por acontecimentos como o de
maio de 68 ou a guerra do Vietn. Trata-se, portanto, de uma
mobilizao nova. Estes jovens vivem num mundo que no lhes
convence. Eles querem um mundo onde o meio ambiente seja
respeitado, onde os acordos Norte-Sul sejam igualitrios e as
instituies, democrticas. por isso que contestam o FMI e o
Banco Mundial. Eles avaliam que estas instituies no so
democrticas, e contestam certos efeitos da globalizao econmica.
Le Soir: Eles
rejeitam o movimento de globalizao? Em outras palavras, estes
militantes merecem o qualificativo de anti-globalizao
com o qual so relacionados costumeiramente?
Eric Toussiant:
No. um erro de qualific-los desta maneira. O que eles
querem uma globalizao no excludente, que satisfaa as
necessidades fundamentais de cada um. Ao falar de
anti-globalizao, tem-se a impresso que se trata de um
fechamento sobre si mesmo, e este no o caso de forma alguma.
No um retorno identitrio, nacionalista ou outro. Eles se opem
a uma globalizao neoliberal, a uma economia de lucro.
Le Soir: Este
movimento tem futuro, na sua opinio? Estamos assistindo ao
nascimento de um pano de fundo que poderia assemelhar-se com o de
maio de 68?
Eric Toussaint:
uma questo difcil de responder. Mas eu penso que este
movimento massivo e no se trata de algo conjuntural. Quando
vejo a mobilizao que vimos em Seattle em 1999, em Millau, com
Bov, neste vero, e atualmente em Praga, creio que assistimos a
um fenmeno que est para ficar. Este movimento comea
suavemente a se definir e se refora cada vez mais. Comea a
haver uma coordenao, e diversas manifestaes j esto
previstas para o futuro. Em trs grandes cidades do Terceiro
Mundo acontecero em breve trs importantes reunies
alternativas globalizao neoliberal. Na sia, em Seul, de
17 a 20 de outubro; na frica, em Dakar, de 11 a 17 de dezembro;
e na Amrica Latina, em Porto Alegre, de 25 a 30 de janeiro.
Le Soir: Mas o
movimento conseguir de fato se estruturar e obter avanos com
as reivindicaes, mesmo que estas sejam diferentes entre seus
membros?
Eric Toussiant:
Creio que sim. O fato de haver posies diferentes no me
incomoda. No uma forma de fraqueza e sim uma garantia de
pluralismo. Alis, ns j tivemos avanos significativos em vrias
pautas. Veja o exemplo do Tributo Tobin, sobre os fluxos
financeiros. H alguns anos, seus oponentes a rejeitavam
veementemente, sem explicao. Hoje, pases como a Blgica,
Frana, Canad e Noruega a discutem. Aqueles que disseram que
ela no era vivel devem se explicar agora. Com a anulao da
dvida do Terceiro Mundo, avanos significativos sero
igualmente realizados. Creio ento que este movimento no pode
ser ignorado, pois ele se amplia e comea a ter um forte poder de
influncia. (Traduo: Beatriz Alvez Leandro)
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Eric Toussaint, belga, presidente do Comit pela
Anulao da Dvida do Terceiro Mundo (CADTM), uma das
organizaes que prepararam os protestos contra o FMI e o
Banco Mundial em Praga.
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