Tecido
Social
Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
015 – 08/12/03 3o661p
ENTREVISTA
Joo Alfredo
(Deputado Federal do PT e fundador do Observatrio do Judicirio
do Cear)
"O Poder Judicirio tambm tem que responder
perante a sociedade"
Por
Antonino Condorelli
Quais
so as causas do mal funcionamento do Poder Judicirio e da
corrupo dos juzes no Brasil?
So
vrias. Primeiro, a prpria estrutura do Judicirio: esta
vertical, hierarquizada de uma forma quase militar. Uma estrutura
assim d excessivos poderes s cpulas - que so os Tribunais
de Justia, os Tribunais Federais e os Tribunais Superiores
- e acaba subjugando a elas os juzes de primeiro grau que,
na verdade, so a porta de entrada do cidado na Justia. Isto
leva corrupo, ao trfico de influncias e reproduo destes
grupos no poder. Ainda dentro do aspecto estrutural, outras
causas do mal funcionamento do Judicirio so a falta de um
controle externo por parte da sociedade e a falta de democracia
interna, que impede aos juzes de elegerem os presidentes dos
tribunais. Este ltimo elemento faz que a estrutura do Judicirio
seja mais aberta corrupo. Do ponto de vista cultural, uma
grande parte dos juzes - principalmente os juzes dos Tribunais
Superiores, como desembargadores, Ministros, etc. - tiveram
uma formao anterior nossa Constituio e no aprenderam
os principios contidos nela. So conservadores, so liberais,
etc., mas nunca incorporaram a viso social que h na Constituio.
O terceiro aspecto a forma de nomeao: sabemos que a nomeao
de Ministros, desembargadores, etc., feita pelos Governadores,
pelo Presidente da Repblica, etc., o que faz que este poder
esteja muito vinculado ao prprio Executivo. Depois h outros
problemas, como o excesso de recursos que faz com que os processos
demorem, a falta de responsabilizao dos juzes (que muitas
vezes "sentam" encima de um processo e no tomam deciso
nenhuma), o prprio nmero de juzes que em muitos casos insuficiente.
Estes ltimos, porm, so problemas menores na frente do problema
estrutural.
O
Observatrio do Judicirio do Cear quebrou um tabu da sociedade
brasileira: o da "inviolabilidade" do Poder Judicirio.
Na sociedade cearense se produziu alguma mudana na percepo
que a populao tem deste poder?
Eu
acho que ns quebramos dois tabus. O primeiro foi um tabu "interno":
os prprios juzes de primeiro grau se uniram e organizaram
para lutar pela democratizao do Poder Judicirio. Na poca
em que eu era Deputado Estadual, eles levaram uma proposta para
a eleio direta dos presidentes dos tribunais, oraram uma
chapa independente de oposio Associao dos Magistrados
no meu Estado e se juntaram a ns na luta pela moralizao do
seu poder. O outro um tabu mais amplo: a sociedade comeou
a perder o medo do Judicirio. E isso aconteceu no s porque
o Observatrio recebeu denncias e as encaminhou aos rgos
competentes para a apurao, mas tambm porque ns realizamos
- juntamente com a Associao de Parentes e Amigos de Vtimas
da Violncia (APAVI) - algumas manifestaes que foram o chamado
"Movimento dos Sem Justia". Fizemos duas grandes
manifestaes em frente ao Tribunal de Justia e em frente
Procuradoria Geral de Justia (portanto, ao Ministrio Pblico)
denunciando o descaso em uma srie de processos ligados a crimes
que estavam - a alguns ainda esto - impunes no Cear. Acho
que se criou uma situao que diria de protagonismo, de cidadania
ativa onde a sociedade entendeu que no s o Legislativo e o
Executivo so poderes que tm que responder perante a cidadania,
mas tambm o Judicirio est sujeito soberania popular.
Alm
dos dois desembargadores afastados durante o primeiro processo
encaminhado pelo Observatrio do Cear (ver Correio Tecido
Social da semana ada), houve mais denncias, processos
e afastamentos de juzes do prprio cargo?
Sim.
Alm destes dois desembargadores, houve trs juzes que chegaram
a ser afastados. Neste perodo se fez funcionar efetivamente
a Corregedoria - que, de fato, nunca tinha funcionado - e se
fez que o Conselho Estadual de Magistratura apurasse estas situaes,
provocamos o Ministrio Pblico Estadual (que, no Cear, nunca
teve nenhuma atuao) e, agora, o Ministrio Pblico Federal,
que acabou encaminhando uma destas denncias para o Superior
Tribunal de Justia.
Quais
so as principais novidades da Reforma do Judicirio que est
sendo discutida no Parlamento?
A
Reforma do Judicirio trata de temas muito importantes para
o processo de democratizao e moralizao deste poder. Um
o da sua democracia interna: atravs da Reforma, devemos garantir
que o conjunto de juzes de uma determinada instncia possa
eleger os membros do seu governo. Ou seja, os juzes estaduais
devem poder votar para os presidentes dos Tribunais de Justia,
os juzes federais para os dos Tribunais Regionais Federais,
etc. A segunda questo, que eu considero a mais importante,
a formao de um rgo nacional de controle externo do Judicirio.
A proposta de criao deste rgo prev a participao de juzes,
advogados, promotores e da sociedade no governo do Judicirio,
na promoo dos cargos, no combate ao nepotismo, no acompanhamento
da evoluo patrimonial dos magistrados e tambm na apurao
de desvio de conduta. Uma terceira proposta que este controle
externo tambm exista no mbito estadual, abrindo os Conselhos
Estaduais de Magistratura para a participao do Ministrio
Pblico, da advocacia, dos juzes de primeiro grau e da sociedade.
Um quarto aspecto consiste em mudar os critrios de nomeao,
transformar os critrios atuais de promoo. Outro elemento
importante o combate ao nepotismo, incluindo a proibio de
parentes de Ministros e desembargadores de advogarem nos Tribunais
onde seus pais so membros. Outro fator a diminuio da quantidade
de recursos para tornar a Justia mais gil. Por ltimo, mas
no por menor importncia, h a questo da publicidade: acabar
com a idia de "segredo da Justia". Em fim, so vrias
propostas que esperamos que para o primeiro semestre do prximo
ano sejam votadas pelo Congresso Nacional.
Quais
so os principais obstculos aprovao da Reforma?
O
principal obstculo se chama corporativismo: a fora que as
cpulas tm dentro da estrutura do Poder Judicirio. Depois
o jogo de interesses, o trfico de influncias, os tabus que
existem sobre o Judicirio (dentro e fora do prprio poder),
a procura de troca de favores entre membros do Judicirio e
do Legislativo: tudo isso torna difcil nossa luta pela reforma
deste poder. Mas hoje eu, como membro da Comisso da Reforma
na Cmara (da qual sou Vice-Presidente), percebo com muita satisfao
que h uma vontade mais forte de democratizar e moralizar o
Judicirio.
Veja
tambm:
- VIOLNCIA CONTRA
A MULHER. A Delegacia da Mulher de Natal: como funciona e as
dificuldades que enfrenta
- Depoimentos de mulheres
vtimas de violncia recolhidos na Delegacia Especializada
de Atendimento Mulher (DEAM) da Ribeira, Natal (RN)
- Comisso do Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) sobre o caso
Jorge Abafador mal recebida pelo Judicirio
de Natal
- Campanha pelo respeito dos Direitos
Humanos durante a Festa da Excluso
- ENTREVISTA. Rogrio
Tadeu Romano (Procurador da Repblica do Rio Grande do
Norte). "Hoje o compromisso do Ministrio Pblico
no com as elites, mas com a sociedade"
<
Voltar
|